A proibição de algumas drogas psicoativas, demandadas por um vasto mercado que abrange cerca de 5% da população mundial total, se sustenta em mitos e equívocos que fortalecem uns aos outros numa grande e sangrenta espiral que é a chamada "guerra às drogas".
É um equívoco muito grave usar o mecanismo da criminalização de alguma conduta com a finalidade de fazer com que as pessoas sigam alguma forma específica de norma moral, esta expressão entendida no sentido de norma fundamentada exclusivamente na moralidade.
Pensar que o direito penal pode ter como escopo a imposição da virtude e o banimento do vício é adotar uma visão totalitária da própria sociedade, que nega a própria separação entre direito e moral e a diversidade cultural característica da modernidade democrática contemporânea.
A política criminal da "guerra às drogas" viola a intimidade dos indivíduos que usam as substâncias proibidas, retira deles o direito de liberdade em relação ao próprio corpo. Não estamos a falar de usuários pesados e crônicos de drogas pesadas, mas de uma imensa maioria de pessoas que usa drogas e não causa problema algum. Não se pode pegar casos extremos e de forma desonesta transformá-los em padrão. Para cada usuário crônico de crack que mata a namorada existem milhares de usuários de maconha que não fazem mal a ninguém, no máximo a si mesmos.
Só que além dos equívocos, alguns monumentais, existem também os mitos, a alimentar os primeiros e a se nutrir deles, numa perversa relação dialética. Um mito especialmente pernicioso é o de que sem a proibição das drogas o consumo explodiria, a saúde pública entraria em colapso e não existiria controle possível. Nada autoriza cientificamente essa tese quimérica e grotesca.
Na verdade, sem a legalização não há controle possível sobre a fabricação, comercialização e consumo das drogas em questão. Fica tudo a cargo do crime organizado e de suas "leis", o que é a pior situação possível.
Para piorar, a criminalização dessas drogas, selecionadas por critérios absurdos e até inaceitáveis hoje, como era o caso do discurso racista que legitimava a proibição da maconha no início do século passado, "erva maldita africana" de acordo com "especialistas" da época, tem seus graves efeitos colaterais: violência e corrupção.
A verdade nua e crua é que não é possível fazer com que as drogas sejam erradicadas. No máximo, o seu consumo pode ser contido através de campanhas educativas e medidas administrativas, como no caso do tabaco e álcool. Persistir na política criminal da "guerra às drogas" significa condenar à morte uma multidão cada vez maior de pessoas jovens dos extratos sociais menos favorecidos, habitantes de comunidades pobres nos grandes centros urbanos. A opção é entre a legalização ou a barbárie.
Artigo do leitor Gerardo Xavier Santiago
Fonte: O Globo. Sociedade. 27/10/2009.
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