A prisão cautelar não pode ser mantida com base na gravidade abstrata do crime. Assim entendeu o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, ao determinar a substituição do regime de cumprimento de pena de uma mulher condenada por tráfico de drogas.
Na decisão, o presidente do STF também destacou que a situação da apenada, que tem um filho de quatro anos que precisa de cuidados especiais, justifica o entendimento. "Cumpre ressaltar que esta corte firmou entendimento jurisprudencial, no HC 105.270/SP, no sentido de ser flagrantemente ilegal a manutenção de prisão cautelar com fundamento na gravidade em abstrato do crime praticado."
No HC 105.270, foi determinado que a prisão preventiva não pode ser definida sem situação que caracterize a real necessidade. "Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas à margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal", ressaltou a corte.
A falta de justificativa concreta para a prisão da ré, representada pelo advogado Vladimir Amorim, foi citada por Lewandowski em sua decisão monocrática usando argumentação do também ministro Celso de Mello.
“Impõe-se repelir, por inaceitáveis, discursos judiciais consubstanciados em tópicos sentenciais meramente retóricos, eivados de generalidade, destituídos de fundamentação substancial e reveladores, muitas vezes, de linguagem típica dos partidários do ‘direito penal simbólico’ ou, até mesmo, do ‘direito penal do inimigo’, e que, manifestados com o intuito de decretar indevidas prisões cautelares ou de proceder a inadequadas exacerbações punitivas, culminam por vulnerar, gravemente, os grandes princípios liberais consagrados pela ordem democrática na qual se estrutura o Estado de Direito, expondo, com esse comportamento, uma inadmissível visão autoritária e nulificadora do regime das liberdades fundamentais em nosso país”, disse Celso de Mello.
Compromisso internacional
Em sua decisão, Lewandowski ressaltou ainda que o Brasil é signatário de acordo internacional (Regras de Bankok) que garante medidas alternativas de cumprimento de pena a mães presas.
"Apesar de o governo brasileiro ter participado ativamente das
negociações para a elaboração das Regras de Bangkok e a sua aprovação na Assembleia-Geral das Nações Unidas, até o momento elas não foram plasmadas em políticas públicas consistentes em nosso país, sinalizando, ainda, o quanto carecem de fomento a implementação e a internalização eficazes pelo Brasil das normas de direito internacional dos direitos humanos", critica o ministro.
Segundo Lewandowski, nessas regras é destacada a necessidade de "um olhar diferenciado para as especificidades de gênero no
encarceramento feminino, tanto no campo da execução penal como
também na priorização de medidas não privativas de liberdade, ou seja, que evitem a entrada de mulheres no sistema carcerário".
"As mulheres em situação de prisão têm demandas e necessidades muito específicas, o que não raro é agravado por históricos de violência familiar e outros fatores, como a maternidade, a nacionalidade estrangeira, a perda financeira ou o uso de drogas", afirmou.
Peculiaridades do caso
O filho da ré, de quatro anos, sofre com artrogripose congênita múltipla, que afeta as articulações. O menor está sob responsabilidade da cunhada da apenada, que já afirmou não ter condições de atender às necessidades do menino.
Todo esse contexto foi citado algumas vezes por Lewandowski em sua decisão. "Há que se destacar o fato de que a paciente possui um
filho de 4 anos, que recebe tratamento médico contínuo para enfermidade que o acomete no Hospital Cristo Redentor (CID Q743 – Artrogripose Congênita Múltipla), sendo portador de necessidades especiais, conforme comprovado pela farta documentação acostada."
O ministro destacou ainda que o fato de o menino ser beneficiário da Previdência Social corrobora a necessidade de ajuda. "Não é possível desprezar, nesse cenário, a distinção dos vínculos e relações familiares estabelecidos pelas mulheres, bem como sua forma de envolvimento com o crime, quando comparados com a população masculina, o que repercute de forma direta nas condições de encarceramento a que estão submetidas."
"Dadas as peculiaridades do caso, somadas à constatação da
generalidade do decreto prisional e da ausência de suficiente fundamento a justificar a sua manutenção, entendo cabível a concessão da ordem de ofício para revogá-lo, uma vez que a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar implicaria a impossibilidade de a paciente atender plenamente todas as necessidades de seu filho especial", finalizou Lewandowski.
Revista Consultor Jurídico, 16 de agosto de 2016.
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