quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Citação com hora certa e processo penal

É constitucional a citação com hora certa no âmbito do processo penal (CPP: “Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. Parágrafo único.  Completada a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo”).

Essa a conclusão do Plenário, que, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade do aludido preceito processual.

No caso, o recorrente fora condenado, no âmbito de juizado especial criminal, à pena de seis meses de detenção, substituída por prestação de serviços comunitários, pela prática do crime previsto no art. 309 da Lei 9.503/1997 (dirigir sem habilitação, gerando perigo de dano). Fora citado com hora certa, pois estaria ocultando-se para não o ser pessoalmente. A defesa arguira, então, a inconstitucionalidade dessa modalidade de citação.

O Colegiado aduziu que a ampla defesa (CF, art. 5º, LV) une defesa técnica e autodefesa. A primeira é indeclinável. Não assegurar ao acusado a defesa técnica é causa de nulidade absoluta do processo, e consubstancia prejuízo ínsito e insanável (CPP, artigos 564, III, “c”; e 572). O Tribunal possui entendimento sumulado nesse sentido (Enunciado 523 da Súmula do STF). A autodefesa, por sua vez, representa a garantia de se defender pessoalmente e, portanto, de se fazer presente no julgamento. A respeito, a Lei 9.271/1996 inovara, para inviabilizar o julgamento do acusado à revelia, quando citado por edital, estabelecendo a suspensão do processo e, para evitar impunidade, a prescrição, até que apareça ou constitua patrono.

A indicação de advogado é ato revelador da ciência da ação penal, e a opção de não comparecer pessoalmente à instrução é consectário lógico do exercício da autodefesa, conjugado à garantia à não autoincriminação (CF, art. 5º, LXIII). Posteriormente, a Lei 11.719/2008 reservara, para o caso de citação pessoal frustrada por ocultação intencional do acusado, a com hora certa, e não mais a por edital, dando-se continuidade ao processo, devendo o juiz nomear defensor ao réu. O novo Código de Processo Civil não repercute na vigência ou na eficácia do preceito, pois a referência aos artigos 227 a 229 do CPC/1973 corresponde aos atuais artigos 252 a 254.

A ficção alusiva à citação com hora certa restringe-se ao fato de o réu não ter sido cientificado, pessoalmente, da demanda. A premissa, na hipótese, é a premeditada ocultação do réu. Logo, sabe da existência da demanda. Se optara por não se defender pessoalmente em juízo, o fizera porque, no exercício da autodefesa, não o quisera. Tampouco pode ser compelido a fazê-lo, afinal o comparecimento à instrução é direito, faculdade. Entendimento diverso consubstanciaria obrigá-lo a produzir prova contra si.

O Tribunal consignou que a citação com hora certa cerca-se de cautelas, desde a certidão pormenorizada do oficial de justiça até o aval pelo juiz. Julgando inexistirem elementos concretos de ocultação, o juiz determina a citação por edital, com a subsequente suspensão do processo caso o acusado não se apresente nem constitua advogado. A autodefesa, mesmo depois de formalizada a citação com hora certa, fica resguardada na medida em que o réu será cientificado dela, inclusive da continuação do processo (CPC, art. 254). Esconder-se para deixar de ser citado pessoalmente e não comparecer em sede judicial para defender-se revela autodefesa. Não se justifica impor a prisão preventiva. Entretanto, impedir a sequência da ação penal é demasiado, sob pena de dar ao acusado verdadeiro direito potestativo sobre o curso da ação penal, ignorando a indisponibilidade inerente.

É preciso compatibilizar a garantia do acusado à autodefesa com o caráter público e indisponível do processo-crime. O prosseguimento da ação penal, ante a citação com hora certa, em nada compromete a autodefesa; ao contrário, evidencia a opção do réu de não se defender pessoalmente em juízo, sendo compatível com a Constituição, portanto.

O Plenário, ademais, não se pronunciou quanto à aplicabilidade do instituto no âmbito específico dos juizados especiais, em razão de a controvérsia, no ponto, ultrapassar o objeto recursal.

Vencido, em parte, o Ministro Marco Aurélio (relator), que, ao se manifestar acerca da citação com hora certa em processo submetido a juizado especial criminal, entendia pela inadmissibilidade desse ato processual. Explicava que o art. 66, parágrafo único, da Lei 9.099/1995 impõe a remessa do processo à vara criminal quando o acusado não for encontrado. Tal preceito inviabiliza qualquer modalidade de citação ficta no juizado especial criminal, seja a editalícia, seja a com hora certa, por tornar inexequíveis a composição civil e a transação penal, fins últimos dos juizados. Por fim, o Colegiado deliberou conceder “habeas corpus” de ofício em favor do recorrente, para extinguir a punibilidade em decorrência da prescrição da pretensão punitiva.
RE 635145/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 1º.8.2016. (RE-635145)

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