Encontra-se tramitando no Congresso Nacional o Projeto de Lei 554/2011 que trata da instituição, em nosso ordenamento jurídico, das chamadas audiências de custódia. Recentemente, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou tal projeto por 18 votos favoráveis e uma abstenção! Na prática, o Judiciário já vem implantando as tais audiências de custódia por iniciativa de natureza regimental. Para quem não sabe, segundo tal novidade, todo cidadão preso em flagrante deverá ser apresentado, em até 24 horas após sua prisão, ao juiz criminal competente da comarca, para exame da legalidade da prisão. Os defensores das audiências de custódia afirmam que elas são obrigatórias à luz de convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, como por exemplo, a Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São Jose da Costa Rica que no inciso 5 de seu artigo 7º diz o seguinte:
"Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo."
Note-se que o texto acima transcrito recomenda que o preso seja conduzidosem demora à presença de um juiz, sendo que o prazo de 24 horas foi uma inovação brasileira que como se vê, não existe na referida convenção internacional! Também é interessante observar que os mesmos que defendem a implantação das audiências de custódia como consequência das recomendações do Pacto de São José da Costa Rica, parecem ignorar outros dispositivos da mesma convenção, sendo cabível observar que o mesmo texto transcrito acima também estabelece que toda pessoa presa tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, e, sabemos que as masmorras brasileiras estão repletas de presos aguardando julgamento há meses ou mesmo anos!
Muitos afirmam que as audiências de custódia irão evitar prisões ilegais e isso parece muito bom, mas não é bem assim! Trata-se de mais um equívoco dos nefelibatas de sempre que pensam e decidem sem levar em conta nossa realidade!
Hoje, segundo as regras estabelecidas pelas normas processuais penais vigentes, todo auto de prisão em flagrante deve ser encaminhado, por cópias integrais, ao juiz criminal competente em até 24 horas após a efetivação da prisão em flagrante. No âmbito da Polícia Federal, as cópias do auto de prisão em flagrante também são encaminhadas ao Ministério Público Federal e à Defensoria Pública da União no caso do preso não ter sido assistido por advogado particular.
Ou seja, no sistema atual, a legalidade dos autos de prisão em flagrante já é submetida a exame do Juízo Criminal competente, possibilitando que o magistrado encarregado relaxe a prisão, de ofício, ou por provocação da defesa constituída. A única diferença entre o sistema atualmente vigente e a nova regra que poderá ser transformada em lei das audiências de custódia será a apresentação física do preso ao Juiz Criminal competente. Pode parecer pouca coisa, mas não é!
Sabemos que os quadros da magistratura nacional já se encontram defasados em face da demanda de trabalho existente e, assim, os juízes em exercício, já assoberbados de trabalho terão de se desincumbir de mais uma tarefa: a presidência das tais audiências de custódia que não poderão se submeter à conveniência de um prévio agendamento, mas terão que ser atendidas em caráter emergencial, já que prisões em flagrante ocorrem de forma imprevisível!
Provavelmente, em grandes cidades brasileiras, será possível criar um plantão de juízes especialmente designados para a presidência das audiências de custódia, mas na maior parte de nosso território continental tal providência será inexequível! Na maior parte de nosso imenso território é pequeno o número de comarcas disponíveis e não raro, o magistrado mais próximo fica a centenas de quilômetros do local da prisão!
Nossas instituições policiais já se debatem em meio a enormes dificuldades para se desincumbir de suas atribuições, em razão de carência de recursos humanos e materiais. Na hipótese de que as audiências de custódia venham a se transformar obrigatórias em razão de lei, as polícias terão que mobilizar viaturas e escoltas armadas para conduzir presos até a presença dos Juízes Criminais. Os policiais envolvidos em tais escoltas irão fazer falta no policiamento das ruas enquanto estiverem realizando tais missões. Tais deslocamentos de presos são altamente indesejáveis e foram o principal argumento para a criação das teleconferências, em que recursos de comunicação à distância são utilizados para que presos possam interagir com juízes sem que tenham que ser deslocados fisicamente.
Todo deslocamento de presos é uma oportunidade de tentativa de fuga ou de resgate no caso de bandidos ligados a organizações criminosas, implicando em risco à incolumidade física do próprio preso, dos policiais envolvidos, dos magistrados ou de cidadãos comuns! Cabe aqui lembrar fato ocorrido em 31 de outubro de 2013 no Rio de Janeiro quando 10 criminosos fortemente armados invadiram o fórum de Bangu com o propósito de resgatar dois “companheiros” que lá se encontravam a fim de serem interrogados na 1ª Vara Criminal. A tentativa de resgate foi frustrada pela reação dos policiais militares que se encontravam no local resultando num tiroteio que terminou com o saldo trágico de dois mortos, um policial militar e um menino de 8 anos, atingido por um tiro na cabeça quando transitava pela calçada em frente ao fórum acompanhado de sua avó!
Ou seja, a instituição obrigatória das audiências de custódia nada irá acrescentar de positivo ao nosso sistema legal, mas implicará em muitos problemas em sua aplicação prática!
No nosso atual sistema, as prisões em flagrante são formalizadas por delegados de Polícia, funcionários públicos concursados, com formação acadêmica específica em Direito e, portanto, qualificados para emitir juízo de valor diante de situações concretas que lhes são apresentadas a ponto de determinar se são ou não, passíveis de prisão em flagrante! Como já dito acima, tal decisão, do delegado de Polícia, já é submetida ao crivo do Juiz criminal competente! O filtro da legalidade já existe! As audiências de custódia são apenas mais uma bobagem que irá nos criar mais embaraços do que soluções!
Antonio Rayol é delegado de Polícia Federal de Classe Especial, doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino de Buenos Aires (UMSA) e conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito e Criminologia (IBDC).
Revista Consultor Jurídico, 30 de setembro de 2015.
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