No procedimento para aplicação de medida socioeducativa, é nula a dispensa de outras provas por conta da confissão do adolescente. O entendimento, já firmado na Súmula 342 do Superior Tribunal de Justiça, foi aplicado pela 5ª Turma do STJ ao anular uma sentença que impôs medidas socioeducativas a um menor que confessou o crime, dispensando as demais provas.
“A prerrogativa constitucional do direito de defesa é irrenunciável, não podendo dele dispor o réu ou o representado, seu advogado ou o Ministério Público, ainda que o acusado admita a acusação e pretenda cumprir a pena”, registrou em seu voto o relator do Habeas Corpus no STJ, desembargador convocado Leopoldo de Arruda Raposo.
O caso chegou ao STJ após o advogado do menor, Marcelo Feller, ingressar com Habeas Corpus contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que negou pedido de liminar para anular a sentença. Feller narra que o jovem foi preso em flagrante acusado de roubo. Após duas testemunhas, que inicialmente haviam reconhecido o jovem, se retratarem por escrito alegando que o adolescente era inocente, o advogado pediu a desinternação.
Mesmo com as declarações juntadas aos autos, o juiz manteve sua internação provisória. Segundo o juiz, a declaração das vítimas deveria ser analisada no curso da instrução processual. No entanto, esse momento não chegou. Na audiência de apresentação, segundo Feller, foi oferecido um acordo ao adolescente no qual, se ele confessasse o crime e desistisse de todas as outras provas iria para a casa no mesmo dia. Caso contrário continuaria preso.
Assim o jovem, na presença de seu advogado e do Ministério Público, confessou o crime e concordou em desistir das demais provas, sendo liberado no mesmo dia com a aplicação da liberdade assistida e da prestação de serviços à comunidade. Diante disso, Marcelo Feller ingressou com HC no Tribunal de Justiça paulista pedindo a nulidade da sentença por violar a Súmula 342 do STJ. Como o pedido de liminar foi negado, Feller recorreu ao STJ com novo Habeas Corpus.
Ampla defesa
Na 5ª Turma do STJ, o HC foi analisado pelo desembargador convocado Leopoldo de Arruda Raposo que deu razão à defesa do adolescente. “Mostra-se crível que a confissão do adolescente tenha sido incentivada pela possibilidade de ter sua internação provisória revogada com a prolação da sentença, haja vista a aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto. De fato, acaso não tivesse confessado, seriam produzidas provas pela acusação e defesa, permanecendo o menor internado provisoriamente. No entanto, encerrando-se o processo apenas com sua confissão, seria posto, de plano, em liberdade assistida, o que de fato ocorreu”.
Em seu voto, o desembargador apontou que o artigo 114 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que a imposição de medida socioeducativa depende da comprovação de autoria e materialidade. De fato afirmou o relator — é preciso instaurar uma relação jurídico-processual em contraditório, com garantia de ampla defesa, para que apenas ao final, com o devido esclarecimento dos fatos, que interessam igualmente ao Estado, seja aplicada a medida socioeducativa adequada.
O desembargador registrou ainda que a “eventual primazia pela celeridade processual não pode se sobrepor aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, mormente em face do menor, pessoa em desenvolvimento a quem se garante proteção integral, com absoluta prioridade visando a seu melhor interesse”.
Tratamento diferenciado
Em informações complementares anexadas aos autos o juiz afirmou que “a Justiça, ademais, não pode dar o mesmo tratamento ao adolescente que confessa espontaneamente, demonstrando assim arrependimento e colaborando com sua consecução, àquele que nega participação, mesmo sabendo-se culpado, obrigando-a à realização de uma audiência desnecessária em face da medida em regime aberto a ser aplicada, como já visto, e em detrimento de inúmeros outros feitos que efetivamente demandam tal adiência”.
Segundo o magistrado, não houve coação para conseguir a confissão e que a sentença foi aplicada apenas com base nesta confissão, havendo fatos e provas suficientes para incriminar o menor. No entanto, para o desembargador Raposo, ao aplicar a sentença o juiz não apresentou estas justificativas. “Havendo provas suficientes para a procedência da representação, deveria o Juiz de origem ter se utilizado delas para justificar a aplicação das medidas socioeducativas na sentença. Não tendo o feito, maculou o decisum que julgou procedente a representação”, explicou Raposo, considerando ilegal a sentença.
Boa-fé da defesa
O relator rechaçou ainda o argumento levantado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ao indeferir o pedido de liminar de que houve abuso de direito de defesa, em virtude de ter anuído com a dispensa das provas, pedindo em seguida pela nulidade da sentença.
Segundo Raposo, não é possível aplicar ao caso o instituto do venire contra factum proprium (proibição de comportamentos contraditórios). Isso porque, para o relator, não é possível visualizar a contradição de comportamento e porque não houve má-fé da defesa, “haja vista as demais provas terem sido dispensadas, não como forma de buscar uma futura nulidade, mas sim visando a restabelecer a liberdade do menor. Dessarte, não verifico abuso no direito de defesa, mas verdadeira diligência do causídico do menor em prol de seu melhor interesse”.
Assim, para garantir o devido processo legal, o relator votou pela anulação da sentença e determinou que o jovem permaneça em liberdade, “salvo a superveniência de situação nova que autorize sua internação provisória, nos termos da lei”. Seu voto foi seguido por unanimidade pelos demais integrantes da 5ª Turma do STJ.
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Revista Consultor Jurídico, 18 de maio de 2015.
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