O Ministério Público ganhou um aliado no debate sobre seu papel na esfera penal: a lei que regulamenta a delação premiada no país. A norma legitima o poder da instituição para investigar crimes, na avaliação do ministro aposentado Gilson Dipp. Depois de deixar sua cadeira no Superior Tribunal de Justiça, em 2014, ele passou a estudar o instrumento da colaboração e foi convidado para um debate promovido na última terça-feira (12/5), em São Paulo.
O encontro foi organizado pela Faap (Fundação Armando Alvares Penteado) e pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e também teve como palestrante o advogado David Teixeira de Azevedo, professor da Faculdade de Direito da USP e defensor de um dos réus da operação “lava jato”.
Existe uma controvérsia no mundo jurídico sobre a validade de investigações conduzidas pelo MP — o Supremo Tribunal Federal tem cerca de 30 ações ligadas ao assunto. Dipp afirmou no evento que a Lei 12.850/2013, sobre organizações criminosas, reconhece que a instituição pode colher provas com base em depoimentos de delatores. Isso porque a “delação por si só não vale nada”, sendo uma ferramenta para promotores e procuradores buscarem o que colocar nos autos.
A norma também diz que o colaborador poderá ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia “responsável pelas investigações”. Tanto o MP quanto o delegado têm o mesmo poder de firmar delação premiada com investigados — no caso da “lava jato”, são procuradores da República que conduziram o acordo. Juízes não podem participar das negociações, pois são os responsáveis por reconhecer a validade das cláusulas assinadas.
Dipp disse não ser contra a investigação feita pelo Ministério Público. Declarou que, “às vezes”, a participação concorrente do órgão é necessária. O ministro apontou ainda que o Brasil tem seguido o caminho da transação penal, como já fazem os Estados Unidos e a Itália.
Assim, o MP passa a negociar com os réus durante toda a persecução penal. Ele afirmou que essa tendência não é necessariamente positiva ou negativa, mas é preciso cuidado para não resultar em “clandestinidade processual, sem anuência de juízes”.
O ministro questionou ainda se a pessoa que está presa preenche o requisito da voluntariedade ao assinar o acordo. Em março, ele elaborou parecer que considera inválida a delação do doleiro Alberto Youssef, por não ter preenchido o requisito da credibilidade do colaborador.
Dever do advogado
David Teixeira de Azevedo criticou a forma como as delações têm sido aplicadas na “lava jato”. Para ele, são inconstitucionais cláusulas que obrigam o investigado a desistir de recursos, continuar à disposição para colaborar mesmo depois do trânsito em julgado e ter suspensos prazos de prescrição.
“Onde nós estamos? A prescrição tem assento constitucional, é um instituto que pune quem dorme no exercício do seu direito. Em âmbito criminal, é uma garantia do cidadão de que a persecução penal tem tempo final”, afirmou. “O advogado deve proteger os direitos do delator, não deve assinar esse tipo de termo.”
Azevedo defende o empresário Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, acusado de ter atuado como lobista e intermediado as negociações junto com o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
Também participante do evento, o presidente do IDDD, Augusto de Arruda Botelho, disse que os Estados Unidos permitem o contraditório e a confrontação entre as partes desde o início das delações, enquanto no Brasil o instrumento baseia-se apenas na “caguetagem”.
O ministro Gilson Dipp também apontou que a colaboração premiada existe no Brasil desde 1986, com a legislação de crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492). Foi com a Lei 12.850/2013 (sobre organizações criminosas), entretanto, que a delação passou a ser regulada de forma mais completa.
Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 13 de maio de 2015.
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