ONU adota novas normas internacionais para tratamento de presos.
A ONU concluiu hoje em Viena a atualização das Regras Mínimas para o Tratamento de Presos, criadas em 1956. O novo documento amplia o respeito à dignidade dos presos, garante acesso à saúde e o direito de defesa e regula punições disciplinares como o isolamento solitário e a redução de alimentação. O texto segue para adoção na próxima sessão da Assembleia Geral, que acontece em setembro em Nova York.
Clique aqui para ler a íntegra das novas regras mínimas.
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As normas foram apelidadas de “Regras de Mandela” (Mandela’s Rules) por terem sido concluídas na África do Sul, do ex-presidente Nelson Mandela. Organizações de direitos humanos que trabalham com a questão prisional saudaram o anúncio.
“Com o encerramento da fase multilateral, resta aos Estados garantir o cumprimento dessas novas diretrizes no plano nacional”, afirma Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas. “O Brasil tem uma nova chance de se adequar aos parâmetros internacionais. Estados como São Paulo já preveem o respeito às Regras Mínimas, mas ainda não se mobilizaram para de fato implementá-las.”
Avanços
Uma das mais importantes mudanças é a menção ao confinamento solitário – modalidade de cárcere onde o preso é mantido longe de contato humano por mais de 22 horas diárias. Nas Regras Mínimas de 1956, o isolamento era permitido, sem limite de tempo, com o aval de um médico. Conforme as Regras de Mandela, ninguém poderá ser submetido a mais de 15 dias em confinamento. No Brasil, o limite estabelecido por lei é de 360 dias. A prática vem sendo denunciada há anos por ativistas, organizações, especialistas e movimentos, que consideram o isolamento uma forma de tortura, muitas vezes praticada por tempo indeterminado.
Outro avanço significativo está na garantia de tratamento digno às gestantes. De acordo com os novos parâmetros, nenhuma mulher pode ser algemada no parto ou no pós-parto. Situações como essa foram diversas vezes flagradas em estados como São Paulo, que recentemente proibiu a prática.
As Regras de Mandela também dão mais destaque para a averiguação e responsabilização por tortura cometida contra presos. Agora, qualquer morte ou caso de tortura deve ser avisado imediatamente para o Judiciário ou autoridades independentes da administração prisional. Ainda nesse âmbito, merecem destaque a previsão de instrumentos independentes de monitoramento e fiscalização do sistema prisional, como é o caso dos conselhos da comunidade e dos mecanismos nacionais e estaduais de prevenção e combate à tortura.
O novo documento também dá grande destaque à garantia de acesso à saúde e aos procedimentos de revista, que não podem ser degradantes. A revista vexatória em crianças foi vedada.
Oportunidade Perdida
Apesar dos avanços, as novas regras não incidem em outras pautas fundamentais para a garantia de direitos humanos dentro das prisões, como é o caso da revista vexatória em adultos. “O texto poderia ter proibido expressamente o desnudamento, os agachamentos e outras formas degradantes de revista pelas quais os presos e seus familiares passam. A único parâmetro novo é a exigência de que a inspeção genital seja realizada por agentes de saúde. Nesse sentido, a ONU perdeu uma grande oportunidade”, afirma Marcos Fuchs, diretor adjunto da Conectas
Longa jornada
O processo de reforma das regras mínimas da ONU teve início abril de 2012. O Grupo Intergovernamental de Especialistas responsável se reuniu em quatro ocasiões: em Viena, na Áustria, em 2012 e 2014; em Buenos Aires, na Argentina, em 2013; e em Cape Town, África do Sul, em 2015.
Delegados e especialistas de 49 países e de organizações internacionais e nacionais participaram desses encontros. Em 2013, Conectas e a organização argentina Cels (Centro de Estudos Legais e Sociais) apresentaram um documento com contribuições para a revisão.
O Brasil teve um papel importante na elaboração das Regras de Mandela e adotou postura propositiva e de liderança ao longo do processo. A reunião que estava prevista para ocorrer no País em janeiro de 2014, no entanto, foi cancela no último instante. Poucos dias antes, veio à tona uma das mais graves crises de seu sistema prisional – as dezenas de mortes no complexo prisional de Pedrinhas, no Maranhão.
À época, o cancelamento foi recebido com repúdio por organizações que participariam do encontro. Em cartadirigida à presidente Dilma Rousseff e ao Conselho Nacional de Justiça, Conectas e Pastoral Carcerária afirmaram que o Brasil perdeu uma oportunidade única para discutir, na presença de especialistas internacionais, os problemas de sua política penitenciária. Com a decisão inesperada, a reunião teve de ser realizada em Viena, com financiamento do próprio governo brasileiro.
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