Responsabilidade civil do Estado: superpopulação carcerária e dever de indenizar
O Plenário retomou o julgamento de recurso extraordinário em que discutida a responsabilidade do Estado e o consequente dever de indenizar, por danos morais, o cidadão preso e submetido a tratamento desumano e degradante. No caso, o tribunal de origem entendera caracterizado o dano moral porque, após realizado laudo de vigilância sanitária no presídio e decorrido lapso temporal, não teriam sido sanados problemas de superlotação e de falta de condições mínimas de saúde e de higiene do estabelecimento penal. Considerara, ainda, que não assegurado o mínimo existencial, não se poderia aplicar a teoria da reserva do possível — v. Informativo 770. Em voto-vista, o Ministro Roberto Barroso proveu o recurso, para reconhecer o direito do recorrente a ser indenizado pelos danos morais sofridos, mediante remição de parte do tempo de execução da pena. Entendeu haver responsabilidade civil do Estado pelos danos morais comprovadamente causados aos presos em decorrência de violações à sua dignidade, provocadas pela superlotação prisional e pelo encarceramento em condições desumanas ou degradantes. Nesse sentido, o descumprimento do dever estatal de garantir condições dignas de encarceramento estaria diretamente relacionado a uma deficiência crônica de políticas públicas prisionais adequadas, que atingiria boa parte da população carcerária e cuja superação seria complexa e custosa. Enfatizou não ser legítima a invocação da cláusula da reserva do possível para negar a uma minoria estigmatizada o direito à indenização por lesões evidentes aos seus direitos fundamentais. O dever de reparação de danos decorreria de norma constitucional de aplicabilidade direta e imediata, que independeria da execução de políticas públicas ou de qualquer outra providência estatal para sua efetivação. Por outro lado, diante do caráter estrutural e sistêmico das graves disfunções verificadas no sistema prisional brasileiro, a entrega de uma indenização em dinheiro conferiria resposta pouco efetiva aos danos morais suportados pelos detentos, além de drenar recursos escassos que poderiam ser empregados na melhoria das condições de encarceramento. Assim, seria preciso adotar mecanismo de reparação alternativo, a conferir primazia ao ressarcimento “in natura” ou na forma específica dos danos, por meio da remição de parte do tempo de execução da pena, em analogia ao art. 126 da LEP. A indenização em pecúnia deveria ostentar caráter subsidiário, cabível apenas nas hipóteses em que o preso já tivesse cumprido integralmente a pena ou em que não fosse possível aplicar-lhe a remição. Por fim, enunciou a seguinte tese, para fins de repercussão geral: “O Estado é civilmente responsável pelos danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos presos em decorrência de violações à sua dignidade, provocadas pela superlotação prisional e pelo encarceramento em condições desumanas ou degradantes. Em razão da natureza estrutural e sistêmica das disfunções verificadas no sistema prisional, a reparação dos danos morais deve ser efetivada preferencialmente por meio não pecuniário, consistente na remição de um dia de pena por cada três a sete dias de pena cumprida em condições atentatórias à dignidade humana, a ser postulada perante o juízo da execução penal. Subsidiariamente, caso o detento já tenha cumprido integralmente a pena ou não seja possível aplicar-lhe a remição, a ação para ressarcimento dos danos morais será fixada em pecúnia pelo juízo cível competente”. Em seguida, pediu vista dos autos a Ministra Rosa Weber.
RE 580252/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 6.5.2015. (RE-580252)
Informativo STF
Brasília, 4 a 8 de maio de 2015 - Nº 784.
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