O fato de a vítima de estupro ser prostituta não descaracteriza o crime violento. O caso poderia ser apenas o de uma decisão interessante da Justiça chinesa, se um dos acusados de estupro por gangue não fosse filho de um casal de cantores célebres no país, especialmente por suas apresentações em cerimônias oficiais do Exército da Libertação do Povo chinês. Li Tianyi, de 17 anos, foi sentenciado à pena máxima permitida a menores: 10 anos. A opinião pública chinesa não esperava por isso.
A pena aplicada ao filho das celebridades "ligadas ao poder" foi consideravelmente maior do que a sentença dada a outros três menores que participaram do estupro, que pegaram entre três e quatro anos. E um pouco menor que a de um adulto que completava a gangue de cinco pessoas. Ele pegou 12 anos de pena. O tribunal de Pequim levou em consideração seu papel de liderança no crime. Contou também, como reconheceu o tribunal, a opinião pública, que parece reticente sobre a capacidade dos tribunais de condenar pessoas influentes e seus filhos.
Os tribunais chineses têm se esforçado para mostrar que a impunidade dos ricos, famosos e poderosos acabou. No início da semana, uma corte sentenciou o político Bo Xilai à prisão perpétua, por corrupção. Na sentença, o juiz declarou que os "gastos extravagantes" do filho do político, Bo Guagua, são cobertos por dinheiro de corrupção. Bo Guagua é estudante de Direito na Universidade de Colúmbia, nos EUA, segundo o jornal New York Times.
Em 2010, o caso do filho de um homem "poderoso" na China ganhou notoriedade nacional, por uma frase: "Meu pai é Li Gang". Li Gang era o poderoso chefe do Distrito Policial da Província de Hebei, no centro da China, conhecido nacionalmente. Seu filho Li Qiming, embriagado, envolveu-se em um acidente de carro, tentou fugir, mais foi pego. Com a frase que ficou célebre, desafiou as autoridades a processá-lo.
Ele foi processado e condenado a seis anos de prisão pela morte de uma mulher e ferimento grave em outra. Sua frase se consagrou. Desde então, toda vez que o filho de uma celebridade se envolve em problemas com a lei, a reação dos chineses é sempre a mesma: "Mais um filho de Li Gang" — ressoa o rótulo para todos os "filhinhos da papai" que surgiram com o sucesso da China como potência política e econômica. E que, por seus status, contavam com a impunidade.
No caso do filho do proeminente tenor Li Shuangjiang e da cantora Meng Ge, que encantaram as audiências militares e parte da população chinesas por dez anos, principalmente por seus hinos patrióticos, a desconfiança da opinião pública era alta, porque eles são ricos e influentes e contrataram os melhores advogados.
Mas a estratégia de defesa não deu certo. A tática de atribuir à vítima a pecha de prostituta não funcionou, porque ela desmentiu, as provas não convenceram e, mesmo que o fizessem, seriam desconsideradas pelo tribunal, como foi anunciado. A mulher, de 21 anos, disse que apenas estava embriagada, depois de passar tempo com os acusados em um bar. E que eles a levaram a um hotel e a violentaram.
Os demais acusados reconheceram a culpa. Quanto a Li Tianyi, seus advogados alegaram que ele estava embriagado e que dormiu quando o grupo chegou ao quarto. Porém, testemunhas viram Li Tianyi conduzindo a vítima pelo saguão do hotel e a agredindo, quando entraram no elevador, porque ela se recusava a ir em frente. Outros acusados afirmaram que ele foi o primeiro, junto com um dos amigos, a tirar a roupa da vítima à força e a iniciar o estupro coletivo.
"Seu status e seu papel no crime eram certamente maiores do que os dos demais acusados, e ele não mostrou qualquer remorso", escreveu o juiz.
Além do mais, Li Tianyi, que às vezes cantava com os pais, já tivera problemas com a lei. Em 2011, ganhou notoriedade depois de bater sua BMW em outro carro, ameaçar o casal no automóvel atingido e bater neles com a ajuda de um amigo. A Polícia o mandou para um "campo de trabalho" para adolescentes infratores.
A notícia divulgada por jornais chineses em primeira mão foi amplamente repercutida por jornais de todo o mundo, incluindo o New York Times e o Washington Post. As reportagens têm, de uma maneira geral, um tom de celebração pelo que parece, para os jornais, ser uma virada chinesa: um esforço orquestrado da Justiça para defender o Estado do Direito no país.
Imagens de Li Tiany e de seus pais famosos Li Shuangjiang e Meng Ge, cantando, podem ser vistas abaixo em uma notícia da TV chinesa, republicada no YouTube. O texto, só para quem entende chinês.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 28 de setembro de 2013
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