Talvez por ele ter mostrado que pode dar certo um modelo voltado para os pobres
O artigo abaixo foi publicado no jornal inglês Independent, e é republicado com autorização pelo Diário. O autor, Owen Jones, 28 anos, é um dos talentos emergentes do jornalismo político inglês. O texto foi escrito na época da campanha presidencial, e Owen estava em Caracas para cobrir as eleições.
Se tudo o que a mídia ocidental disser for verdade, eu escrevo essa coluna de um país brutalizado por um líder terrível e indigno, Hugo Chavez, que prende rotineiramente qualquer jornalista ou político que se pronuncie contra sua tirania.
De acordo com o colunista Toby Young, a Venezuela é liderada por um “tirano marxista” e um “ditador comunista”. O oponente nas eleições presidenciais de Chavez, Henrique Capriles, foi retratado, em contraste, como um democrata dinâmico e inspirador, determinado a acabar com o fracassado experimento socialista na Venezuela e abrir o país para o extremamente necessário capital estrangeiro.
A realidade da Venezuela não poderia ser mais distante do que o alegado, mas o dano já foi feito: até mesmo vários esquerdistas consideram Chavez um tirano. E aqueles que desafiam a narrativa são repudiados como idiotas, seguindo os passos daqueles que, como o conhecido casal socialista Beatrice e Sidney Webb, nos anos 30, louvaram a Rússia de Stálin, esquecendo-se de seus horrores.
A Venezuela é uma espécie engraçada de “ditadura”. A mídia privada tem 90% de audiência e, rotineiramente, lança propagandas vitriólicas contra Chavez. Na época das eleições, as áreas pró-oposição estiveram embriagadas de letreiros com a face sorridente de Capriles, e comícios jubilantes contra Chavez foram um evento regular ao redor do país.
Os venezuelanos votaram então pela décima quinta vez desde que Hugo Chavez foi eleito pela primeira vez, em 1999: todas essas eleições foram julgadas como livres pelos observadores internacionais, incluído o ex presidente americano Jimmy Carter, que descreveu o processo eleitoral do país como “o melhor do mundo”. Quando Chavez perdeu um referendo constitucional em 2007, ele aceitou o resultado. Antes de seu incentivo a que todos tirassem título de eleitor, muitas pessoas pobres não podiam votar. Contrastando fortemente com a maior parte das democracias ocidentais, mais de 80 por cento dos venezuelanos votaram nas eleições presidenciais.
Até mesmo oponentes de Chavez me disseram que ele foi o primeiro presidente venezuelano que se importou com os pobres. Desde sua vitória em 1998, a pobreza extrema caiu de quase um quarto para 8,6% no ano passado; o desemprego reduziu-se pela metade; e o PIB per capita dobrou. Em vez de ter arruinado a economia – o que todos seus críticos alegam – a exportação de petróleo subiu de $14,4 bilhões para $60 bilhões em 2011, provendo fundos para ser gastos nos ambiciosos programas sociais de Chavez, as chamadas “missiones”.
Seus críticos o atacam por sua associação com autocratas e tiranos como Gaddafi, Ahmadinejad e Assad. Eles podem ter um ponto, mas levando-se em conta o suporte ocidental às ditaduras como as da Arábia Saudita, Bahrain e Cazaquistão – cujo regime paga, atualmente, $13 milhões por ano a Tony Blair por serviços de relações públicas – uma enorme casa de vidro se ergue atrás deles. Os principais aliados da Venezuela são as democracias latino americanas, todas governadas por presidentes progressistas que Chavez ajudou a inspirar, tais como Brasil, o Equador e a Bolívia.
Isso não quer dizer que a Venezuela está livre de problemas, nada disso. Segurança é a principal preocupação dos venezuelanos com quem conversei, e não é de se espantar: crimes vilentos surgiram, com mais de 20.000 pessoas assassinadas em 2011. A polícia local e o sistema judiciário são ineficazes e, muitas vezes, corruptos, e é claro que uma sociedade com mais armas do que pessoas não é a sociedade ideal. O governo está iniciando uma força policial nacional, mas uma ação urgente é necessária.
Mas, quando vemos seu relacionamento com a oposição, Chavez tem sido muito clemente. Muitos dos opositores – incluindo Capriles – envolveram-se, em 2002, em um golpe militar no estilo Pinochet, bancado pelos Estados Unidos, e que falhou apenas no momento em que os adeptos de Chavez tomaram as ruas. O golpe foi incitado e apoiado em grande parte pela mídia privada: e eu imagino o que aconteceria para a Sky News e ITN se provocassem um coup d’état contra um governo democraticamente eleito na Grã-Bretanha.
Cinco anos depois, o governo se recusou a renovar a licença de uma emissora televisiva, RCTV, por sua participação no golpe. Até Chavistas reconheceram que foi um erro tático, mas eu me pergunto quantos governos iriam tolerar emissoras que defendem sua derrota armada.
A escuma oligarca da Venezuela odeia Chavez, mas a verdade é que seu governo mal os tocou. O máximo de imposto é apenas 34%, e há uma violenta sonegação de impostos. Por que o desprezam? Como o líder chavista Temir Porras me disse, é porque “as pessoas que limpam suas casas, agora, são mais importantes politicamente do que eles”. Durante o governo de Chavez, os pobres receberam um poder político que não deve ser ignorado: não é de espantar que Capriles pelo menos declarou que deixaria os programas sociais devidamente intactos.
Os críticos ocidentais de Chavez têm o direito de discordar dele. Mas é hora de pararem de fingir que ele é um ditador. Chavez venceu as eleições com justiça. E, apesar de seus obstáculos formidáveis, provou que é possível liderar um governo popular e progressista que rompe com o dogma neoliberal. Talvez seja por isso, afinal das contas, que é tão odiado.
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