"Pena alta não resolve nada. O sujeito fica amargurado e sai da prisão pior do que entrou". A afirmação é do juiz federal Fernando Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que será aposentado no dia 17 de abril por atingir o limite de idade de 70 anos.
Em entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo, o juiz, que se considera polêmico por natureza, afirma que concede mais Habeas Corpus do que nega. "Entendo que a prisão preventiva só deve ser decretada quando estritamente necessária. Como antecipação de pena, sou contra", diz.
Entre as decisões de Tourinho Neto estão duas liminares para soltar o empresário Carlinhos Cachoeira, condenado a 39 anos e 8 meses de prisão pela Justiça Federal em Goiânia. Além disso, em 2002 ele também suspendeu a prisão de Jader Barbalho, que era então governador do Pará. Em 2009, ele também suspendeu o afastamento do então governador de Rondônia, Ivo Cassol.
Na entrevista, o desembargador explica o que o motivou a soltar Cachoeira. "Concedi o Habeas Corpus pois não havia necessidade de ele ficar numa prisão. E concedi a ordem quando o juiz o condenou a 39 anos e 8 meses e decretou uma prisão provisória por dois anos. Não existe prisão preventiva com tempo marcado", conta.
Veja abaixo a entrevista concedida para a Folha de S.Paulo.
Folha - O senhor é tido como um juiz polêmico. Para muitos, é independente e corajoso; outros o criticam pela facilidade com que concede Habeas Corpus e breca investigações.
Tourinho Neto - Polêmico acho que sou. É da minha natureza... [risos]. Geralmente, dou mais Habeas Corpus do que nego. Entendo que a prisão preventiva só deve ser decretada quando estritamente necessária. Como antecipação de pena, sou contra. Quanto a brecar investigações, não é verdade.
Folha - Por que uma mulher que furta margarina fica presa e Cachoeira recorre em liberdade?
Tourinho Neto - Quanto a furtos de pequeno valor, evidentemente é uma excrescência juiz determinar a prisão preventiva. Quanto a Cachoeira, eu neguei o primeiro Habeas Corpus. Naquele momento, ainda havia conturbação da ordem pública. Depois, concedi outro Habeas Corpus, pois não havia necessidade de ele ficar numa prisão. E concedi a ordem quando o juiz o condenou a 39 anos e 8 meses e decretou uma prisão provisória por dois anos. Não existe prisão preventiva com tempo marcado.
Folha - Não pesou a periculosidade? Juízes sofreram ameaças...
Tourinho Neto - Não. A jurisprudência diz que se o réu está em liberdade e é condenado, pode apelar em liberdade.
Folha - Não é ironia um réu acusado de fazer "grampos" ser beneficiado porque as interceptações da polícia foram consideradas provas ilícitas?
Tourinho Neto - O juiz não fundamentou a decisão. Só pode haver a interceptação quando não há outro meio de investigar.
Folha - O juiz Alderico Rocha Santos, de Goiás, sugeriu que o senhor teria praticado improbidade.
Tourinho Neto - Entrei com queixa-crime e reclamação perante a corregedoria. Ele disse que eu estava favorecendo Cachoeira.
Folha - Em 2002, o mesmo juiz havia anunciado que iria processá-lo por criticar a prisão preventiva de Jader Barbalho.
Tourinho Neto - O governador tinha sido preso e algemado. Concedi a ordem e disse que a decisão dele foi "esdrúxula". Ele achou que era uma ofensa. É aquele afã de prender...
Folha - Em 2009, o senhor reverteu decisão que cassava o mandato do então governador Ivo Cassol. Recentemente, a Justiça cassou mandato do senador, sob a acusação de improbidade.
Tourinho Neto - Governador é julgado pelo STJ. Não entrei no mérito.
Folha - O senhor poderia citar políticos e empresários que foram condenados graças à sua caneta?
Tourinho Neto - Condenados... Eu não me lembro. Mantive a condenação do "comendador" [João Arcanjo Ribeiro], de Mato Grosso. Mas reduzi a pena.
Folha - O senho realmente acredita que a ministra Eliana Calmon pretendia "destruir a Justiça"?
Tourinho Neto - Eu disse isso. Quando ela afirmou que havia "bandidos de toga", desmoralizou a Justiça. Eliana estava "abafando" [risos]. Ela é fantástica. Ninguém ousava falar contra Eliana. Nem a imprensa.
Folha - Em 2010, o sr. absolveu o desembargador do TJ-RJ Roberto Wider, acusado de chefiar a máfia dos cartórios. Em fevereiro, o CNJ aposentou compulsoriamente o juiz.
Tourinho Neto - Não havia então prova consistente para afastá-lo.
Folha - O colegiado julgou que havia provas. O senhor manteve o voto?
Tourinho Neto - Mantive. Achei que era o caso de censura.
Folha - O senhor pretende advogar?
Tourinho Neto - É a única coisa que sei fazer. Não vou advogar causas como, por exemplo, estupro, tráfico de pessoas, sequestro.
Folha - O senhor defenderia Cachoeira?
Tourinho Neto - Seria impossível [risos].
Revista Consultor Jurídico, 27 de janeiro de 2013
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