A Ação Penal 470 está repleta de mensagens para o Direito e para a política. Principalmente em razão daquilo que não foi resolvido, pois decisões judiciais e duras penas não resolvem problemas estruturais. A mensagem mais importante refere-se à qualidade da democracia brasileira. A vida política padece de males endêmicos. A necessidade de formar amplas alianças políticas entre partidos heterogêneos e, muitas vezes, sem clareza programática impõe negociações sigilosas, concessões duvidosas e distribuição de cargos em troca de apoio político. Essas práticas são descritas com o eufemismo “presidencialismo de coalizão”. A verdade é que afetam gravemente a qualidade da democracia. Quem castiga os envolvidos em certo escândalo combate os sintomas. Mas não atinge as causas do mal estar democrático.
Todos sabem (mas poucos dizem) que a realização de milionárias campanhas políticas em um país com milhões de miseráveis torna inevitável a procura por “doações” que, mesmo não sendo ilegais, fomentam suspeitas e “trocas de favores”. O STF deixou claro que o financiamento ilícito não é um escusável caixa 2, e sim se desdobra em graves delitos. Mas essa mensagem do STF permanecerá simbólica se não forem encontradas alternativas viáveis e transparentes para o financiamento de campanhas substanciais e austeras.
Mas nos cinco meses de julgamento foram também resolvidas importantes questões jurídicas. Havia dúvidas sobre a força e a forma das provas em crimes econômicos cometidos de maneira oculta. A maioria do STF contentou-se com provas indiretas, indícios e inferências lógicas. Ajudar a ex-esposa de um conhecido na venda de apartamento pode ser utilizado como prova de participação em organização criminosa. Isso cria um importante precedente para o maior rigor repressivo.
A Ação Penal 470 decidiu também controvérsias jurídicas sobre os crimes de lavagem de dinheiro, de gestão fraudulenta e de quadrilha. Prevaleceram posições rigorosas, conhecidas como eficientistas, que facilitam as condenações. Isso preocupa os adeptos de um Direito Penal garantista, atento às conquistas civilizatórias do Direito moderno. Ainda mais problemáticas foram as referências dos ministros à teoria alemã do domínio do fato. Essa teoria considera autores de crimes as pessoas que dirigem organizações criminosas e atuam com divisão de tarefas, ocultando seus atos. Infelizmente, o STF ignorou a complexidade da discussão sobre essa teoria na Alemanha e as fortes controvérsias entre os penalistas.
Os ministros apresentaram a teoria do domínio do fato como algo óbvio e simples. Além disso, a aceitação dessa teoria não justifica condenações automáticas. Devem existir também provas convincentes, demonstrando a forma de atuação de cada réu no complexo esquema criminoso. São muitos os juristas que não enxergaram tais provas nas fundamentações apresentadas pelos ministros.
Por fim, temos o eterno problema da política criminal. No Estado constitucional, a repressão penal não pode se limitar ao binômio “crimes violentos-condenados pobres”, marginalizando ainda mais os marginalizados. Uma das mensagens fortes da Ação Penal 470 foi a rigorosa reprovação e punição de réus poderosos para “crimes de colarinho branco”. Tivemos um pequeno passo no longo caminho até a efetiva confirmação de que o direito vale para todos.
Dimitri Dimoulis é professor de Direito Constitucional da Direito GV.
Revista Consultor Jurídico, 21 de janeiro de 2013
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