terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Pode a pena alternativa ser mais cruel do que a de prisão?


Por desobedecer uma das regras de conduta dos jurados, o engenheiro Vishnu Singh foi sentenciado pelo juiz federal William Fuente a cumprir uma pena alternativa "sob medida": prestar serviços ao tribunal do júri do condado de Hillsborough, em Tampa, Flórida, uma semana por mês, durante três meses. O juiz deixou claro em sua sentença: "Ou cumpre a pena alternativa ou vai para a cadeia por cinco dias", noticiou o jornal Tampa Bay Times.
A sentença gerou polêmica. Pode uma pena alternativa ser mais cruel do que a pena de prisão? Talvez possa, na opinião do próprio sentenciado, que terá de perder uma semana de trabalho por mês, durante três meses (e, de certa forma, sua liberdade, enquanto estiver dia e noite à disposição do júri). Ele – e muita gente – não sabem o que é pior.
O juiz argumentou que sua sentença se ajusta sob medida a esse tipo de crime. Vishnu Singh violou as regras do júri e, por isso, vai passar mais tempo servindo como jurado, para aprender a lição. Mas os críticos da decisão querem saber como um juiz pode transformar em punição a prestação de serviço de jurado, que sempre foi conceituada como um dever cívico do cidadão?
O "crime" ocorreu durante o processo de seleção de jurados. Em muitas jurisdições dos EUA, participam desse processo o juiz, o promotor, o advogado e uma quantidade de cidadãos convocados (de 60 a 80), a maior parte dos quais será eliminada.
Uma condição para que uma pessoa seja selecionada para servir no tribunal do júri é a de que ela não saiba nada do caso criminal (ou civil) que será julgado. Ela só conhecerá o caso durante o julgamento, pela boca do promotor, do advogado, do juiz – e pelas provas físicas e testemunhais que forem apresentadas.
Por isso, os candidatos a jurados são orientados pelo juiz a não fazer qualquer pesquisa sobre o caso na internet ou por qualquer outro meio. E os jurados não podem, em momento algum, antes de chegar o momento de deliberar sobre a culpa ou não do réu, discutir o caso entre si – entre outras proibições e condições.
Quem desobedecer essas e outras regras pode ser condenado por desacato ao tribunal e ser punido, de acordo com a lei. Uma razão é a de que qualquer descumprimento das regras impostas aos jurados pode resultar em anulação do julgamento. E todo o processo volta à estaca zero.
Mas a curiosidade não é um problema só de gatos. Vishnu Singh, que já havia sido selecionado para o júri, não resistiu à tentação de saber mais sobre o caso e o pesquisou na internet, enquanto aguardava o desenrolar do processo. Pior que isso, durante o almoço, ele comentou com outros possíveis jurados o que descobriu sobre o caso na Web. Um dos ouvintes o delatou ao juiz.
O juiz ficou enfurecido. Uma tentativa de realizar o mesmo julgamento em 2011 falhou, porque, no processo de seleção do júri não foi possível encontrar 12 jurados "aceitáveis", em um grupo de 60 pessoas convocadas para a seleção.
O maior empecilho era a popularidade do caso, largamente noticiado. O julgamento poderia resultar em pena de morte para Kenneth Ray Jackson, de 30 anos, acusado de estuprar e matar a facadas uma mulher de 50 anos, mãe de três filhos, em 2007. Nesse caso, também podem ser eliminados possíveis jurados que são contra a pena de morte. E esse foi outro empecilho.
Em caso de julgamento de casos famosos, não é fácil selecionar 12 pessoas, dentro do limite da jurisdição, que não sabem nada sobre o caso. Os jornais americanos costumam descrever os jurados de qualquer caso célebre que vai a julgamento: uma pessoa que só liga a TV para ver novela, jogos,shows ou filmes, mas nunca vê qualquer noticiário; jamais lê um jornal, só ouve rádio para escutar música, mas nunca o noticiário; não conversa com os colegas de trabalho, porque trabalha sozinho na rua.
Também podem ser eliminadas na seleção do júri pessoas com qualquer tipo de preconceito ou de opinião pré-formada, como a do cidadão que tem dificuldade em aceitar a tese da insanidade, levantada pela defesa. Alguns especialistas acreditam que 85% dos casos criminais ou civis que chegam ao tribunal do júri são vencidos ou perdidos na seleção dos jurados.
Por isso, em muitas jurisdições, o advogado e o promotor, tanto quanto o juiz, podem interrogar os possíveis jurados e vetar os que consideram preconceituosos ou com opinião pré-formada – o processo é conhecido como voir dire (dizer a verdade). Em algumas jurisdições, o voir dire é conduzido apenas pelo juiz.
Com todas essas dificuldades, o juiz de Tampa tinha motivos para se enfurecer com o engenheiro que quase detonou a segunda estrutura do mesmo julgamento. Ele expulsou Vishnu Singh do tribunal, depois de avisar-lhe que se preparasse para passar alguns dias na cadeia, assim que recebesse uma intimação para retornar ao tribunal.
Singh retornou ao tribunal, depois de intimado, com a sua melhor compostura de "Madalena arrependida". "Peço perdão, meritíssimo. A curiosidade tirou o que há de melhor em mim". Ouviu um sermão sobre o que teria acontecido se o fato só tivesse sido revelado após o início do julgamento e obteve uma pena alternativa, como queria. Agora, ele está confuso.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 19 de janeiro de 2013

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