No ano de implantação da terceira Campanha Nacional de Desarmamento, as concessões de porte de armas de fogo para civis cresceram 17% no país. A Polícia Federal emitiu 1.446 licenças para defesa pessoal em 2011, enquanto no ano anterior foram 1.205. Paralelamente, a campanha pelo desarmamento ainda não atingiu a marca de mobilizações anteriores. No ano passado foram entregues somente 37 mil armas, contra 40 mil entre 2008 e 2009 e 460 mil na primeira edição da campanha, em 2004 e 2005.
“Os dados são claros. A campanha não teve a condução que deveria ter tido, tanto que ela foi prorrogada para até o final de 2012. Isso mostra que a cultura das armas ainda está presente na população, que vê nelas uma forma de defesa”, assinala o sociólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) Luís Flávio Sapori.
A concessão legal de armas de fogo à sociedade civil é só uma ponta do iceberg, já que muitas nem sequer são registradas ou então são oriundas do contrabando. Segundo pesquisa da organização não governamental Viva Rio, existem hoje no país aproximadamente 16 milhões de armas em circulação, sendo que a metade é ilegal. “Apenas 10% estão nas mãos dos órgãos de segurança dos estados. A estimativa é que 4 milhões de armas estejam na posse de bandidos”, afirma o coordenador do Programa de Controle de Armas da Viva Rio, Antônio Rangel Bandeira. Entre 2003 e 2010, 11.035 armas e 768.929 munições oriundas do contrabando foram capturadas pela Polícia Rodoviária Federal.
Apesar da redução do número de armas entregues pela população, Rangel acredita que a campanha do desarmamento trouxe benefícios à sociedade, como a redução de 11% na taxa de homicídios provocados por arma de fogo. “Isso significa que, de 2003 a 2010, cinco mil vidas foram preservadas”, diz. Em 2003 – quando foi aprovado o Estatuto do Desarmamento – quase 40 mil pessoas foram mortas a tiros no país e, em 2010, foram 35 mil vítimas.
Porém, Rangel atesta que há muito a ser melhorado. “Na primeira edição, o envolvimento da sociedade civil foi maior, já nas outras, as campanhas foram mais restritas. Na de 2008, por exemplo, só era possível entregar arma na Polícia Federal. E são poucas as cidades que têm uma delegacia da PF no Brasil”, explica.
Para a secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki, a retirada de armas da sociedade tem impacto não apenas na redução da violência, “mas também em óbitos provocados por acidentes com armas e também crimes cometidos por motivos banais”. “Além disso, a campanha tem contribuído para a construção de uma cultura de paz, que busca afastar as armas da resolução de conflitos”, salienta.
Banda podre
Segundo Bandeira, a própria campanha pelo desarmamento da população revela a necessidade de se reestruturar a segurança pública do país. “Sabemos que tem uma banda podre da polícia que tenta convencer o cidadão a não entregar a arma. Ou pior, faz com que ele venda a arma por um valor maior para o próprio policial. Essa arma acaba sendo vendida para os criminosos. É necessário conscientizar os próprios policiais que estão a serviço do povo”, revela.
Burocracia para conceder licença é rigorosa
O número total de portes de armas concedidos no país caiu de 6.174 em 2010 para 5.772 em 2011. São três categorias de licença: defesa pessoal (alta de 17% no período); porte funcional (queda de 21%); e porte temporário (alta de 57%).
Segundo a Polícia Federal, para se enquadrar na categoria defesa pessoal, o cidadão precisa comprovar a necessidade, seja por exercício de atividade profissional de risco ou ameaça à sua integridade física. Além disso, deve apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o registro da arma e apresentar documentos pessoais, comprovar ocupação lícita e residência, além de ter capacidade técnica e aptidão psicológica.
O porte temporário é concedido aos responsáveis pela segurança de cidadãos estrangeiros em visita ou que residam no Brasil. Já o porte funcional é destinado principalmente a guardas municipais e portuários.
Revólver em casa é tragédia anunciada, dizem analistas
Ter uma arma de fogo em casa pode ser sinônimo de tragédia. Essa é a avaliação de especialistas em segurança pública ouvidos pela reportagem. O sociólogo Luís Flávio Sapori, que já foi secretário de Segurança Pública de Minas Gerais, diz que a arma de fogo é responsável pela maioria dos homicídios registrados no Brasil. “Ter uma arma é um fator de risco para o próprio dono dessa arma. Uma criança pode ter acesso a ela e provocar um acidente”, alerta.
O coordenador do Programa de Controle de Armas do Viva Rio, Antônio Rangel Bandeira, afirma que muitas pessoas fazem um raciocínio incorreto quando pensam que uma arma em casa servirá para defesa pessoal. “Isso é um mito. Se a pessoa tem o porte, ela deve manter a arma em um cofre. A pessoa não teria tempo de abrir esse cofre e pegar a arma em caso de um assalto a sua casa, por exemplo”, afirma.
Bandeira ainda alerta que a arma é um excelente instrumento para atacar as pessoas: “Mas nunca para se defender. Ela é muito precária para isso, já que exige uma coisa que quase nunca acontece, que é ver o assaltante antes.”
A coordenadora do controle de armas do Instituto Sou da Paz, Alice Ribeiro, chama a atenção para o fato de que a arma guardada em casa poder ser usada contra a vida da vítima. “O assaltante tem sangue frio para matar alguém. Para o cidadão de bem é difícil agir dessa forma. É muito mais provável que essa arma seja roubada e até utilizada contra a vida da vítima. A pessoa não deve reagir nesses momentos, já que não tem preparo para isso”, atesta.
Motivo fútil
Segundo a secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki, a presença de uma arma em casa pode potencializar a violência entre os familiares. “Muitos crimes que ocorrem por motivo banal, como brigas entre vizinhos, discussões familiares e crimes passionais, poderiam ser evitados se a arma não estivesse ao alcance da mão. Alguns motoristas que desrespeitam a lei e mantêm armas em seus carros também dão fins trágicos a acidentes ou brigas de trânsito”, afirma.
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Fonte: DIEGO ANTONELLI - Gazeta do Povo |
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Porte de armas para civis cresce 17% no Brasil
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