Apresentação
O presente trabalho consiste em um relatório da visita realizada ao Centro Penitenciário de Topas, em Salamanca (província de Castilla y Leon), no dia 26 de janeiro de 2009, durante a realização do Curso de Pos-Graduação em Direito Penal da Universidade de Salamanca, com o objetivo de demonstrar a realidade do sistema prisional espanhol e, a partir das constatações dela decorridas, demonstrar que a busca pela humanização do sistema prisional brasileiro é medida que deve ser implementada urgentemente pelas autoridades públicas, além de evidenciar que tal mudança de condições não implicará em estímulo à criminalidade, conforme o equivocado entendimento do senso comum.
1.O parlatório
O parlatório do Centro Carcerário de Topas é composto por dezenas de baias asseadas e equipadas com sistema de som, divididas por um vidro translúcido, onde os presos podem se comunicar com os seus parentes e advogados, quando estão no estágio inicial dentro do sistema prisional. Com o passar do tempo, a eles é proporcionado o direito a entrevista em um pavimento superior do prédio, composto por salas onde há o contato pessoal direto, ou seja, sem qualquer barreira.
2. Visitas íntimas
Há quartos para a realização de visitas íntimas melhores que muitos hotéis modestos do Brasil. Os parentes dos presos não são vitimizados pelas revistas ofensivas à dignidade humana. Somente se passa pelo detector de metais. As mulheres não precisam ser expostas aos constrangimentos de serem apalpadas em regiões íntimas e cavidades do corpo.
3. A relação entre os agentes prisionais e os advogados
Cumpre destacar que a relação entre os agentes carcerários e os advogados é realizada em clima de cordialidade, sendo esclarecido pelo subdiretor administrativo de Topas que os agentes prisionais compreendem perfeitamente a missão do advogado criminalista, não havendo motivo algum para um clima de animosidade. Os advogados têm direito a ver seus clientes sem qualquer dificuldade. Somente se pede que sejam respeitados os horários regimentais, mas, em caso de necessidade, não há qualquer restrição de acesso ao preso.
4. Meios de comunicação do preso
Em princípio, o preso tem direito a cinco ligações telefônicas por semana. Ocorre que, em muitos casos, permite-se que mais ligações sejam feitas. Não há violação ao sigilo das comunicações, ressalvados os casos em que há autorização judicial e, logicamente, quando necessário.
5. Acesso a dinheiro pelo preso
Todo o dinheiro que chega às mãos do preso passa por uma conta bancária que é administrada pelos agentes carcerários. Os parentes podem fazer depósitos na conta bancária e o valor é depois repassado aos presos.
6. Nacionalidade dos presos
Há presos de todos os lugares do mundo. Porém, chama a atenção o fato de serem os estrangeiros em maior número. Tem-se presos de várias nacionalidades, muitos latinoamericanos. A população carcerária em Topas é composta por 70% (setenta por cento) de estrangeiros, inclusive, alguns brasileiros. A maior incidência de crimes está relacionada ao tráfico de drogas e aos delitos patrimoniais, assemelhando-se ao quadro brasileiro.
7. Individualidade
Os presos não são obrigados a usar uniformes. Cada um usa a roupa que quiser, o que denota o respeito à individualidade deles. Não se vê o Estado colocando a sua mão punitiva em bens jurídicos além da liberdade de ir e vir. Procura-se respeitar o preso de uma forma impressionante para aqueles que estão acostumados com o modelo prisional brasileiro.
8. Atividades dos presos
Os presos têm a possibilidade de fazer inúmeras coisas dentro do estabelecimento. As atividades são culturais (estação de rádio interna e teatro), esportivas (squash, futebol, basquetebol, musculação etc.), laborais (artesanal, industrial, limpeza, alimentação etc.) e estudantis. A prisão possui um anfiteatro, onde são realizados eventos culturais. O trabalho não é obrigatório e os presos têm acesso direto a várias ferramentas que podem constituir armas brancas. Mas, mesmo assim, a paranoia, típica dos inquisitores, não acomete os responsáveis pela segurança do local. As aulas são ministradas pelos professores sem a colocação de grades separando-os dos alunos. Tudo ocorre em clima amistoso e sem a desconfiança peculiar de todos no Brasil. A presunção de inocência é aplicada no cotidiano prisional de Topas. Só se restringem maiores liberdades quando há um motivo concreto. Do contrário, a vida interna do preso é de boa qualidade. Para os latino-americanos é possível dizer que o estabelecimento mais se parece com um hotel ou clube de recreação. Essa foi a percepção de todos que participaram da visita (venezuelanos, peruanos, bolivianos, colombianos, equatorianos, mexicanos e este brasileiro).
9. Administração prisional
A administração do Centro Penitenciário de Topas é composta por um diretor-geral e mais quatro subdiretores. Isso evidencia o profissionalismo e o cuidado que o Estado tem na administração prisional.
10. Presos provisórios
Apenas 20% (vinte por cento) dos presos são provisórios. Ao contrário do Brasil, onde temos praticamente 50% (cinquenta por cento) dos presos sem condenação transitada em julgado.
11. A ação das Organizações Não-Governamentais
As ONGs têm papel relevante no trato com os presos, demonstrando a preocupação social com a reinserção deles no ambiente social. Sua atuação se destina, basicamente, em introduzir o egresso no mercado de trabalho e na sociedade em geral.
12. Custeio
Toda a estrutura prisional é custeada pelo Estado. Os presos não são obrigados a pagar nada. O custo anual de um preso é de €$ 18 mil (dezoito mil euros), aproximadamente.
13. Alimentação
A alimentação dos presos é de primeira linha. A dieta é balanceada e os alimentos são de qualidade. São feitas três refeições diárias.
14. A lei de execução penal espanhola
A primeira lei a ser criada após a promulgação da Constituição Espanhola (1978) foi a Ley General Penitenciaria de 1979. Com trinta anos, essa legislação está sendo cumprida com rigor pelo Estado. Ela representa uma quebra na tradição punitiva própria do regime ditatorial de Franco.
15. Seguro-desemprego
Além da assistência social, o egresso tem direito a uma espécie de seguro-desemprego por um período de quatro meses, equivalente a um salário mínimo que, na Espanha, corresponde a €$ 640,00 (seiscentos e quarenta euros), equivalentes a R$ 2.000,00 (dois mil reais), aproximadamente.
16. Presos pertencentes a grupos terroristas
A convivência com os presos do ETA (grupo armado espanhol classificado como terrorista) é normal. Não há qualquer rigor diferenciado em seu trato dentro de Topas.
17. O cárcere
Cada cela comporta, no máximo, dois presos.
Conclusões
Em grau de conclusão se pode dizer que, definitivamente, o modelo prisional brasileiro representa uma barbárie ou uma masmorra medieval em comparação ao modelo prisional espanhol, e europeu em geral. O temor ao cárcere é o mesmo, independentemente da qualidade das prisões. Entretanto, a realidade brasileira é violadora de direitos e garantias fundamentais previstas na Constituição de 1988, enquanto o modelo espanhol está em consonância com a dignidade humana. O desejo de vingança — próprio da ideologia punitivista brasileira — não pode justificar as atrocidades que vemos serem praticadas diariamente. Dessa forma, o modelo espanhol é, indubitavelmente, um modelo a ser copiado por todos aqueles que pretendem minimizar os danos sociais causados pela violência do sistema penal. Do contrário, continuaremos a ver o crescimento da reincidência e da sensação de impunidade sendo arraigada no seio social, muito embora parta de falsas premissas difundidas pela mídia sensacionalista. É forçoso reconhecer que o Brasil não proporciona o welfare state nem àqueles que nunca cometeram um crime. Mas, um erro não justifica outro e é dever de todos lutar para que a Constituição da República e a Lei de Execução Penal não sejam violadas. Essa é, na realidade, uma luta em prol do Estado Constitucional de Direito.
Leandro Gornicki Nunes
Advogado criminalista, professor de Direito Penal e Criminologia na Universidade da Região de Joinville, especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil
NUNES, Leandro Gornicki. Uma tarde no cárcere: topas?. Boletim IBCCRIM : São Paulo, ano 17, n. 199, p. 4-6, junho 2009.
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