Os juízes brasileiros estão optando sentenciar com penas de prisão por tempo acima do razoável jovens tidos como pequenos traficantes de drogas, mesmo quando esses réus não registram condenações anteriores e nem façam parte de organizações criminosas. O problema foi apontado pela professora Luciana Boiteaux, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na audiência realizada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), nesta terça-feira (14), para debater a Política Nacional sobre Droga.
- São pessoas que ainda podem ser resgatadas, mas nesses casos a legislação impede a aplicação de penas alternativas e os juízes ainda optam por penas mais duras, que acabam reforçando a inserção dos envolvidos no mundo da criminalidade. Eles saem do sistema prisional em situação muito pior do que quando entraram - afirmou.
Luciana Boiteaux disse que a opção dos juízes por prisões mais longas está sendo constatada em pesquisa que se encontra em andamento - um estudo conjunto da UFRJ, no Rio de Janeiro, e da Universidade Nacional de Brasília (UnB), na capital federal. Na maioria dos casos, afirmou a pesquisadora, os jovens sentenciados são dependentes químicos e se envolvem na atividade para manter o vício. No entanto, por serem de comunidades dominadas pelo tráfico, os juízes os consideram, automaticamente, como integrantes das organizações do tráfego.
Pela nova Lei de Drogas, de 2006, traficantes devem ser condenados com prisão de cinco a 15 anos. Mesmo sem prever as chamadas penas alternativas, essa lei permite, no entanto, que o juiz reduza a pena de um sexto a dois terços do tempo, desde que o réu seja primário, de bons antecedentes e não integre organização criminosa. Para Luciana Boiteaux, os juízes estão uniformizando as penas pelo alto, quando deveriam considerar melhor as especificidades de cada caso para definir a culpa dos réus.
Ações federais
Pelo governo, participou da audiência a secretária-adjunta da Secretária Nacional Antidrogas (Senad), Paulina Duarte, que sintetizou as linhas da Política Nacional sobre Drogas. Ela explicou que as ações articulam o setor público e a sociedade em três linhas de ações: a prevenção, para evitar que a juventude se envolva com as drogas; as ações policiais para reprimir o tráfico; e ainda, na área da saúde, medidas para o tratamento dos usuários.
- De nada adiantaria melhorar programa de prevenção ao uso de drogas na escola se tivermos na esquina um bar vendendo bebidas para os jovens - disse, para salientar a importância de ações articuladas entre as diferentes áreas de governo.
Conforme Paulina, as ações são focadas em uma base territorial, os chamados Territórios da Paz. Por enquanto, as ações estão ocorrendo nas capitais de cinco estados - São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Porto Alegre e Bahia. Além das ações públicas diretas, o governo apoia, nessas áreas, projetos sociais para a juventude considerados modelos. As ações, informou, serão progressivamente estendidas a outros centros urbanos problemáticos. Uma das preocupações é estruturar a ainda limitada rede de serviços para a recuperação de usuários de drogas.
Projetos modelos
A audiência contou com a participação de representantes de três projetos sociais considerados modelos. Um deles, o padre Vilson Groh, dirige em Florianópolis, a capital de Santa Catarina, o Centro Cultural Escrava Anastácia. A entidade usa a prática do surf como atrativo para envolver jovens em risco social em atividades formativas visando sua inserção social e profissional. Como explicou o padre, um dos objetivos é desarmar indivíduos que fazem parte de gangues e que, por isso, já lidam com armas.
- Os esportes radicais fornecem a adrenalina correspondente ao uso das armas - observou o padre, registrando que 68 jovens já se desarmaram depois que aderiram ao surf.
Desenvolvido pelas polícias militares nas escolas, o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) foi outro projeto apresentado na reunião. Como explicado pelo coronel Oscar Rodrigues, da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul, policiais selecionados e capacitados passam a ser instrutores do programa. Nas 17 lições, os estudantes das escolas que aderem ao Proerd debatem questões como cidadania e as consequências negativas do uso de drogas. Além disso, são orientados sobre a forma de agir para afastar a abordagem de usuários e traficantes. Conforme o coronel, pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) ouviu famílias e professores, atestando os aspectos positivos do programa.
O projeto Lua Nova, o último apresentado, atua na cidade de Sorocaba, em São Paulo, exclusivamente com mulheres com histórico de envolvimento com o uso de drogas. Por meio de oficinas de trabalho, o projeto busca garantir a inserção social e econômica dessas mulheres - nesse momento, mais de 600. Segundo Raquel Barros, a coordenadora, o que se procura antes de mais nada é estimular as potencialidades dessas pessoas, para que se conscientizem de que podem ter vida nova e ser produtivas.
Gorette Brandão / Agência Senado
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