Para a caracterização do crime de denunciação caluniosa, é necessária a comprovação do dolo direto, ou seja, é preciso ficar claro que o acusador tem a total consciência sobre a inocência do denunciado. Se isso não ficar comprovado, vale a máxima do in dubio pro reo. O entendimento levou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região a manter a sentença que absolveu uma mulher da imputação deste crime por declarações dadas à Justiça, ao relatar abuso de autoridade no momento de sua prisão.
No primeiro grau, a juíza-substituta Maria Angélica Carrard Benites, da 5ª Vara Federal de Novo Hamburgo, disse que as provas não permitem concluir, com clareza, a efetiva ocorrência dos fatos narrados pela ré à Justiça. Mas também não são aptas a deduzir que tais fatos não aconteceram. ‘‘Ora, é perfeitamente possível que a acusada tenha se sentido vítima de abuso de autoridade, o qual costuma ocorrer justamente nas hipóteses em que o agente público, a pretexto de cumprir com os seus deveres funcionais, atenta contra alguns dos direitos previstos nos artigos 3º e 4º da Lei 4.898/65, por motivo de vingança, capricho, perseguição ou qualquer outro sentimento pessoal’’, escreveu na sentença.
Para a juíza-substituta, não se pode ignorar, por outro lado, que a ré esteve exposta a uma série de procedimentos, o que lhe teria causado forte intimidação. Assim, é plausível que o seu relato ao juiz da Vara de Execuções tenha sido em tom de desabafo, e não com a específica e deliberada intenção de imputar crimes a pessoas inocentes.
O relator do recurso de Apelação na 8ª Turma da corte, desembargador João Pedro Gebran Neto, advertiu que o ônus de provar o que alega na denúncia recai totalmente sobre o Ministério Público, que é o titular da Ação Penal. Por isso, havendo dúvida quanto ao elemento subjetivo, ‘‘a medida que se impõe é a manutenção da absolvição da acusada, em razão de não haver prova da existência do fato, na forma do artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal’’, encerrou. O acórdão foi lavrado na sessão de 16 de setembro.
O caso
O processo é um desdobramento da chamada operação rábula, da Polícia Federal que, ao longo de 2011, que investigou três advogados trabalhistas e duas outras pessoas (entre as quais, a ré deste caso) acusadas de receber dinheiro para prestar falso testemunho.
O fato que originou o processo de denunciação caluniosa no corrente processo ocorreu no dia 11 de abril. Durante interrogatório na Vara de Execuções Fiscais e Criminal de Novo Hamburgo, após ser presa em sua casa, em Bombinhas (SC), a mulher fez uma série de acusações aos policiais. Segundo seu depoimento, os agentes que a prenderam, além de revirar toda a casa, a trataram ‘‘pior do que bandido’’, sem lhe dar chances de permanecer calada. Depois, levada à presença do delegado da operação, foi recebida com cuspes no rosto.
Afirmou, por fim, que o delegado não transcreveu seu depoimento, mas colocou o que queria que ela tivesse dito e um papel e a obrigou a assinar. "Ou eu assino ou eu não saio de lá, ou a minha filha nunca mais me vê", disse.
O juiz, então, determinou a instauração de inquérito policial para averiguar se os agentes não teriam incorrido em abuso de autoridade, cujos crimes estão previstos na Lei 4.898/65. Como ficou clara a falsidade da imputação, o magistrado arquivou parcialmente o feito.
O Ministério Público Federal, no entanto, resolveu ajuizar denúncia-crime por denunciação caluniosa. O crime é tipificado no artigo 339, caput, do Código Penal: "Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente".
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Revista Consultor Jurídico, 22 de novembro de 2015.
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