O pequeno condado de Comal, na área metropolitana de Santo Antônio, Texas, foi escolhido para a implementação de um grande projeto jurídico. Em 12 de janeiro, entra em operação um programa-piloto, de um ano, que eleva o ideal de Justiça gratuita para os pobres para um nível mais alto: os réus de processos criminais terão o direito de escolher um advogado, em uma lista de 30 a 50 profissionais – em oposição ao tradicional sistema de rodízio, em que o juiz nomeia o próximo advogado na sequência da lista.
O condado se tornará uma pequena ilha, cercada por um sistema praticamente falido de assistência judiciária gratuita no resto do país, a não ser por algumas exceções. Mas a intenção dos idealizadores do projeto é a de criar um modelo ideal de Justiça gratuita, tal como previsto na Constituição do país, testá-lo por um ano para ver se funciona bem e, quem sabe, implantá-lo progressivamente em outras jurisdições. Esse programa, o primeiro do país, deverá pelo menos servir de inspiração para outros condados ou estados.
No papel, há mais vantagens anunciadas. Por exemplo, o advogado será escolhido com alguma antecedência, de forma que terá tempo – e estímulo – para se preparar melhor para a defesa. No atual sistema, é comum um advogado conhecer o cliente se informar pela primeira vez sobre o caso a pouco tempo da audiência – em alguns casos, a apenas 15 minutos, de acordo com a American Civil Liberties Union (ACLU).
Também há um nível muito alto de desconfiança, pelos réus, dos advogados nomeados pelo juiz, pelo tradicional sistema de rodízio. Os proponentes do programa descobriram casos em que réus foram beneficiados pela simples troca de advogados, por diversas razões. O advogado Tommy Vaughn, que presta assistência judiciária gratuita há mais de dois anos, disse aos jornais que a primeira reação dos réus, ao encontrá-lo, é de desconfiança total. “Eles suspeitam que vou procurar resolver a questão o mais rápido possível, de preferência através de um acordo com a Promotoria, para me livrar do caso e ganhar meu dinheiro”, afirmou.
O direito a um advogado, garantido a todos, independentemente de condições financeiras, é um ideal de igualdade de Justiça que aparece na Constituição dos EUA – e também nos filmes de Hollywood e nas ruas. Quando um policial faz uma prisão e anuncia: “Você tem o direito a permanecer calado. Tem o direito a um advogado. Se não puder pagar um advogado, um será fornecido para você, sem qualquer custo”. Apesar de ser uma cena tipicamente americana, a Carta Magna brasileira também prevê que "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado".
A Constituição dos EUA trata do direito de todos à defesa em processos criminais, mesmo que gratuita, em duas emendas. A Sexta Emenda garante a todos os acusados de crime o direito a um advogado para sua defesa, independentemente de sua capacidade de pagar. E a 14ª Emenda garante a todos os cidadãos direitos iguais, independentemente de raça ou nacionalidade. Esses direitos foram reafirmados em decisão da Suprema Corte (Gideon v. Wainwright), que criou a Defensoria Pública nos EUA há mais de 50 anos.
Por causa dos filmes de Hollywood, esses dispositivos constitucionais estão entre os mais conhecidos pela população. E também são os mais desrespeitados. A nova presidente da American Bar Association (ABA), Paulette Brown, declarou em agosto que 46% dos americanos vão à Justiça por conta própria (per se), 16% buscam ajuda de familiares e amigos.
De acordo com a ACLU, 80% dos réus de processos criminais, em todo o país, não dispõem de recursos financeiros para contratar um advogado. Um parte desses réus é atendida por advogados e bancas que prestam serviços pro bono e outra recorre à Defensoria Pública, quando disponível na jurisdição.
Porém, a Defensoria Pública nos EUA está quebrada. Não há recursos financeiros para contratar mais advogados e nem para mover a atual máquina. Normalmente, os defensores públicos estão excessivamente sobrecarregados de trabalho. A carga de trabalho é tão grande que os defensores são obrigados a fazer uma triagem dos casos. De acordo com um relatório de 2011, 70% dos réus de pequenos crimes, sem advogados, se declaram culpados em um encontro com promotores que dura, em média, menos de três minutos.
Programas como o que o Texas começa a implantar agora nos EUA já existem em outros países, como Austrália, Canadá e Inglaterra. Nos EUA, não há muita esperança de que um possível sucesso do programa experimental do condado de Comal mude o atual quadro da Justiça gratuita no país, por falta de dinheiro, principalmente. A verba para implementar e tocar esse programa por um ano será de apenas 200 mil dólares.
Revista Consultor Jurídico, 1 de janeiro de 2015.
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