Em editorial deste domingo (4/1), o jornal Folha de S.Paulo considera eficaz o uso de delações premiadas em investigações. O instrumento ganhou uma guinada com a chamada operação "lava jato", que apura fraudes em contratos da Petrobras e teve grande repercussão em 2014. O texto ressalta que advogados têm criticado aspectos da ferramenta, mas concluiu que eventuais abusos ao direito de defesa devem ser combatidos.
Leia a íntegra do editorial:
Se o esquema de corrupção na Petrobras causou assombro em 2014 pelos montantes desviados e pela desfaçatez com que agiam os envolvidos, a Operação Lava Jato provocou surpresa com uma novidade procedimental: o uso sistemático das delações premiadas.
A eficácia do mecanismo logo chama a atenção. Na maioria dos escândalos anteriores, as apurações pouco avançavam além dos personagens diretamente flagrados na pilhagem. O alto escalão raramente se via atingido.
Agora, diretores de grandes empreiteiras não só foram presos mas também revelaram o que sabiam. Se os investigadores conseguirem aliar aos relatos as necessárias provas materiais, terão condições de instruir processos sólidos, com eventual responsabilização penal de executivos e devolução do dinheiro desviado.
A mudança de atitude se explica pela teoria dos jogos. Sem a delação premiada, os acordos de silêncio, que dificultam o avanço dos inquéritos, constituem a melhor estratégia para os investigados.
Quando, no entanto, ao menos um envolvido decide trocar informações por benefícios jurídicos, os outros passam a ter mais a perder com a escolha de não colaborar.
A consequência ficou evidente no curso da Lava Jato: as apurações ganham velocidade e alcance.
Ainda assim, sobretudo entre os advogados, não faltam críticas ao instituto. Do ponto de vista técnico, por exemplo, argumenta-se que a ferramenta rompe com o princípio da proporcionalidade da pena. Dois atores que tenham apresentado idêntica conduta criminosa podem receber sanções diferentes.
São, contudo, as objeções morais que se fazem mais rumorosas. A noção de lealdade ao grupo parece tão entranhada nos seres humanos que não passa sem certa repulsa o incentivo à traição -- mesmo que ela ocorra entre bandidos e proporcione benefício público.
Também se afirma que as prisões cautelares pressionam os investigados a falar, como se fossem -- passe a hipérbole típica dos defensores -- uma forma de tortura.
Os argumentos merecem reflexão; abusos, em qualquer circunstância, precisam ser combatidos, e as balizas legais jamais podem ser afastadas num Estado de Direito.
Daí não decorre, no entanto, que a delação premiada deva ser descartada. Os que se beneficiaram da corrupção sabem o quanto violaram a confiança da sociedade; não deveriam pedir ao poder público que se preocupe com a promoção da ética entre delinquentes.
Revista Consultor Jurídico, 4 de janeiro de 2015.
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