O Executivo e o Legislativo estão dando respostas irrefletidas a algumas das reivindicações levadas às ruas pelas manifestações dos últimos dias. A rejeição da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 37, pela Câmara dos Deputados, é exemplo disso. Até o início das manifestações, a aprovação dessa PEC – que proibia explicitamente o Ministério Público (MP) de realizar investigações criminais e executar diligências, reforçando a competência exclusiva das polícias judiciárias – era dada como certa. Para tentar aplacar os protestos, a Câmara mudou de entendimento e derrubou a PEC por 430 votos contra 9. A Mesa da Câmara chegou a anunciar que a votação seria adiada para agosto, mas o presidente Henrique Alves (PMDB-RN) voltou atrás, fazendo um apelo pela rejeição, alegando que “o povo brasileiro quer cada vez mais combate à corrupção”.
No plano político, a decisão primou pelo oportunismo. No plano técnico, ela terá efeitos desastrosos. Alegando que os promotores e procuradores têm exorbitado de suas competências, os delegados das Polícias Civil e Federal argumentavam que a PEC 37 redefinia as competências das duas categorias, evitando conflitos funcionais. Temendo perder poder e prestígio institucional, os MPs federal e estaduais alegaram que a aprovação da PEC 37 comprometeria a autonomia da instituição, impedindo-a de “combater a impunidade”. O lobby dos promotores foi mais forte que o dos delegados e o marketing político prevaleceu sobre a racionalidade jurídica.
Essa disputa corporativa dura 25 anos. Ela começou quando promotores e procuradores, depois de terem pressionado a Assembleia Constituinte a definir o MP como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado”, incumbida “da defesa da ordem jurídica e do regime democrático”, passaram a se comportar como se pertencessem a um Poder tão autônomo e soberano quanto o Judiciário, o Executivo e o Legislativo. Sentindo-se independentes, muitos promotores colocaram suas prerrogativas a serviço de ideologias, partidos e movimentos sociais. Vários macularam a imagem de governantes e promoveram perseguições políticas, com base em denúncias infundadas. E alguns até chegaram a usar suas prerrogativas para pressionar o Executivo a formular políticas públicas, como se tivessem mandato parlamentar.
A PEC 37 foi uma reação das Polícias Civil e Federal contra esses abusos. E, ao contrário do que dizem promotores e procuradores, ela apenas estabelecia de forma mais precisa o que já consta da Constituição. Embora atribua competências específicas ao MP, como patrocinar com exclusividade ações penais públicas, impetrar ação civil pública e exercer o controle externo, a Constituição não faz menção às prerrogativas dos promotores e procuradores em matéria de investigação criminal. Invocando a tese de que quem pode o mais também pode o menos, a categoria alegou que, se tem exclusividade na proposição de ações penais públicas, implicitamente detém competência para fazer investigações criminais.
A interpretação é enviesada. Se a Assembleia Constituinte não incluiu a investigação criminal na lista de competências específicas do MP, enunciada pelo artigo 129, é porque não quis dar ao MP uma força institucional que pusesse em risco as garantias processuais dos cidadãos. Afinal, o MP é parte nas ações judiciais. Por isso, não faz sentido que, nos inquéritos criminais, os promotores e procuradores sejam simultaneamente acusadores e condutores da investigação. Isso desequilibra o devido processo legal, na medida em que a outra parte – a defesa – não pode investigar nem promover diligências. Além do mais, a Constituição é clara ao afirmar que cabe às Polícias Civil e Federal exercer a função de polícia judiciária – e, por tabela, presidir inquéritos criminais.
Como se vê, a PEC 37 em nada impediria o MP de coibir a corrupção e a impunidade. A emenda foi rejeitada porque, assustados com os protestos em todo o País, os parlamentares estão agindo precipitadamente para dar respostas ao clamor das ruas.
*Editorial do Jornal O Estado de S.Paulo, de 30 de junho de 2013
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