sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Ofensa feita em juízo a parte adversária não é injúria


Durante discussão em juízo em função da causa, ofender a parte adversária, ou seu representante, não pode ser considerado injúria ou difamação. A regra está descrita no inciso I do artigo 142 do Código Penal e foi aplicada pelo juiz Xisto Albarelli Rangel Neto, do Colégio Recursal do Juizado Especial Criminal de São Paulo (Jecrim) em favor do advogado Sergio Niemeyer.
A decisão, em caráter liminar, foi proferida em Habeas Corpus ajuizado pelo advogado, defendido por Alberto Zacharias Toron e Marcelo Feller. Reclamam de decisão do juiz do Jecrim paulista, que aceitou denúncia por injúria apresentada pelo promotor de Justiça Jão Carlos Meirelles Ortiz contra Niemeyer.
O caso começou na discussão de outro processo. Niemeyer defende outro advogado, acusado de apropriação indébita do dinheiro da cliente. Consta dos autos que o acordo entre o cliente de Niemeyer e sua cliente era de remuneração pelo sucesso, no montante de 20% da causa. O defensor, vencedor, ao receber a quantia, descontou a fração e repassou o restante à cliente.
A cliente resolveu ir à Justiça, alegando apropriação indébita. O problema todo foi que o advogado e sua cliente não assinaram um contrato. Acertaram-se verbalmente. A mulher alegava jamais ter feito acordo com o advogado, ao passo que o advogado sustentava que sim. Niemeyer argumentava a validade de acordos verbais.

O troco
E aí veio a primeira ofensa. O promotor, irritado, disse, nas alegações finais da acusação: “Um rábula saberia que o pagamento de honorários num contrato de prestação de serviços de advocacia, qualquer que fosse o seu valor, não poderia ser feito com o dinheiro pertencente a menores impúberes”.
Rábulas eram pessoas sem formação em Direito que eram autorizadas a postular na Justiça, na ausência de advogados. No tempo do Império, os rábulas eram autorizados pelo Poder Judiciário. Na República, até os anos 1930, pelo Instituto dos Advogados do Brasil. Depois disso, a responsabilidade ficou com a OAB.
Ser diminuído a menos que um leigo irritou Sergio Niemeyer, que respondeu: “Pelo que se lê do memorial elaborado pelo parquet, causa espécie tenha seu membro sido aprovado em concurso para ingresso na carreira, pois até um rábula sabe que os contratos não possuem forma especial, salvo os casos previstos em lei”.

Imunidade profissional e processo penal
O promotor João Carlos Ortiz representou contra Niemeyer por injúria, e a denúncia foi aceita. Niemyer impetrou Habeas Corpus no Colégio Recursal. Alegou que, além de a discussão ter sido travada nos autos, o juiz do caso aceitou a denúncia sem ouvir o réu.
De acordo com artigo 81 da Lei 9.099/1995, que criou os juizados especiais criminal e cível, “aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa”. Já o artigo 142 do Código Penal protege os ofensores em discussões.
No HC, Niemeyer, representado por Toron e Feller, sustentou que estava apenas respondendo a ofensa que recebeu do promotor na mesma medida. “E qual era o tom que se esperava do Paciente quando elaborou as alegações finais de seu constituinte, após terem ambos sido atacados e ofendidos em sua honra? Por óbvio que não viriam elogios ao trabalho ministerial, que durante longos anos manteve na cadeira dos réus advogado íntegro e probo, achincalhando-o e ofendendo sua honra.”
Para Niemeyer, João Carlos Ortiz foi “duro, veemente e firme”, não deixando escolha a não ser a resposta, dada inclusive em nome do cliente. “É dever do advogado responder e lutar pelo resguardo da reputação daquele que lhe confiou sua liberdade”, escreveu.

Leia abaixo a decisão liminar:

Despacho
É habeas corpus impetrado pelos advogados Alberto Toron e Marcelo Feller em favor de outro advogado, Sérgio Roberto de Niemeyer Salles, este processado por injúria (art. 140 do Código Penal) perante o Juizado Especial Criminal Central. O pedido é no sentido de anulação da decisão que recebeu a denúncia sem que se possibilitasse à defesa do paciente manifestar-se previamente na forma do art. 81 da Lei 9099/95, bem como o trancamento da ação penal por patente falta de justa causa (denúncia alternativa, ausência de ânimo de injuriar, imunidade do advogado). Há pedido de liminar apoiado nos mesmos fundamentos, que segundo os impetrantes seriam reveladores da fumaça de bom direito; e no fato de haver designação de audiência de instrução já para o próximo dia 27 de setembro, o que constituiria o “periculum in mora”.
A inicial veio bem instruída, com todos os documentos nela referidos. É de fato a fumaça de bom direito se revela não só no fato de o próprio magistrado, ao que parece, ter recebido a denúncia sem prévia oitiva da defesa (contrariando expressa disposição de lei) como também pelo que decorre da leitura não só do art. 133 da Constituição Federal, mas também o disposto no art. 142, I do Código Penal e o disposto no art. 7º do Estatuto da OAB.
O periculum in mora, por sua vez se verifica na proximidade de audiência de instrução, na qual o paciente-acusado pode ter selado seu destino nos autos. Logo, com base no art. 660, parágrafo 2º do Código de Processo Penal defiro a liminar para sobrestamento do feito, inclusive da audiência designada para instrução, e da qual poderá decorrer constrangimento ao paciente. Por outro lado, determino que com a comunicação URGENTE desta medida, já seja instada a autoridade apontada como coatora, o MM Juiz de Direito apontado na inicial, a prestar suas informações no prazo legal. Depois, encaminhem-se os autos ao Ministério Público do Segundo Grau para que apresente seu parecer e tornem conclusos. São Paulo, 23 de agosto de 2012.

Fonte: Consultor Jurídico

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