Em 5 de junho de 2012 eu acompanhava uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília, na qual foi ouvida a opinião de 12 diferentes especialistas e profissionais acerca da conveniência e oportunidade de editar uma lei possibilitando a repatriação de capitais e ativos não declarados. A grande questão que se coloca aqui é saber a exata medida da alforria que se pretende conceder: não pode ser exagerada que possa abranger indevidamente o chamado “dinheiro sujo” oriundo de infrações penais; tampouco pode ser mínimo, de modo que não seja capaz de criar o estímulo necessário para que o maior volume possível de dinheiro hoje no exterior seja repatriado e passe a circular livremente no sistema financeiro nacional.
Lá pelas tantas, ouvi alguns deputados federais felizes — e até eufóricos — porque a “Lei de Lavagem tinha passado na Casa”, a indicar que a costura política necessária para votar e aprovar o texto do projeto de lei que tramitava no Congresso Nacional desde 2003 tinha sido concluído com sucesso, indo à sanção presidencial.
Em 10 de julho de 2012, foi publicada a Lei 12.683, que altera a Lei 9.613/98, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. A lei nova traz uma série de modificações ao texto da lei originária, que serve de atualização e adaptação em razão dos primeiros anos de sua aplicação no Brasil. Além disso, inclui uma série de novos dispositivos que, somados às modificações, buscam tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro.[1]
Dentre as modificações que a Lei 12.683/12 traz ao texto originário da Lei 9.613/98, cabe mencionar: a revogação dos tipos penais antes elencados nos incisos do artigo 1º; a revogação do artigo 3º, que previa condições mais rígidas para a liberdade do réu durante o processo; o maior endurecimento das medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado promovido pelo atual artigo 4º; o maior detalhamento da alienação antecipada para preservação de valor dos bens sob constrição, na forma do artigo 3º, parágrafo 1º, c/c o artigo 4º-A (este incluído pela novel lei); e a destinação dos bens, direitos ou valores cuja perda houver sido declarada em favor da União ou dos estados, conforme o caso, como efeito da condenação (art. 7º).
De fato, com a revogação dos tipos penais antes elencados nos incisos do artigo 1º,[2] ao invés de relaciona-los um a um, agora são considerados de modo genérico como “infração penal”, isto é, abrangendo tanto o crime como também a contravenção.[3]
Segundo o Parecer 625, da relatoria do senador José Pimentel, da Comissão de Assuntos Econômicos, o objetivo de deixar o rol em aberto seria permitir a persecução penal por lavagem de dinheiro, passando a legislação brasileira para uma de “terceira geração”, a exemplo do que ocorre nos países que servem de referência no tema.[4]
O referido Parecer 625 esclarece, ademais, que o recurso à delação premiada foi aprimorado, na medida em que o parágrafo 5º do artigo 1º passa a facultar ao juiz a possibilidade de deixar de aplicar a pena (perdão judicial) ou de substituí-la por pena restritiva de direitos, mesmo posteriormente ao julgamento. “Outra mudança relevante é a que se faz no parágrafo 2º do artigo 2º da lei: passa-se a permitir o julgamento à revelia do réu (por meio de defensor dativo).”
O artigo 3º da Lei 9.613/98 foi revogado pela Lei 12.683/12. Ele estabelecia que os crimes antes elencados no artigo 1º eram insuscetíveis de fiança, liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, caberia ao juiz decidir fundamentadamente se o réu poderia apelar em liberdade.
Quanto às modificações no artigo 4º, cabe registrar que: no tocante a liberação total ou parcial dos bens, direitos ou valores, enquanto antes o juiz a determinava quando comprovada a licitude de sua origem, agora manterá a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal (§ 2º); e poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas (§ 9º).[5]
O artigo 3º, parágrafo 1º, prevê a possibilidade de proceder à alienação antecipada para preservação de valor dos bens sob constrição sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação ou, ainda, quando houver dificuldade para sua manutenção.[6] Em seguida, o artigo 4º-A, incluído pela Lei 12.683/12, traz o procedimento incidental que surgirá e tramitará nessas hipóteses, com a solicitação da parte interessada mediante petição autônoma que será autuada em apartado, a avaliação dos bens, a intimação do Ministério Público, a homologação do valor atribuído, a determinação de que sejam alienados em leilão ou pregão, o depósito em conta judicial remunerada e o levantamento após o trânsito em julgado da sentença proferida na ação penal. Finalmente, o atual artigo 4º-B corresponde ao anterior artigo 4º, parágrafo 4º, pelo qual a ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações.
O artigo 7º cuida da perda, em favor da União e dos estados, de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos na lei como efeitos decorrentes da condenação, bem como a destinação aos órgãos encarregados da prevenção, do combate, da ação penal e do julgamento dos crimes previstos na lei, cada um no âmbito próprio de sua competência (federal ou estadual).[7]
Não obstante as modificações anteriormente apontadas a título meramente exemplificativo na dicção do novel diploma legal, cabe registrar que os artigos 9º ao 12 foram os que sofreram maiores mudanças e inclusões. Cada um dos três artigos corresponde ao capítulo próprio, podendo ser resumido, grosso modo, à previsão legal sobre quem, como e o que, como veremos.
Com efeito, o Capítulo V, que previa “Das Pessoas Sujeitas À Lei”, atualmente estabelece “Das Pessoas Sujeitas ao Mecanismo de Controle” (quem). O elenco, que já era enorme, ampliou-se ainda mais. As pessoas físicas foram incluídas de modo expresso no artigo 9º: “Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não: I — a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira; II — a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial; e III — a custódia, emissão, distribuição, liquidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários.”
Além das pessoas que praticam tais atividades, o parágrafo único do artigo 9º acrescenta, dentre tantas outras: as bolsas de valores, as seguradoras, as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou outro meio eletrônico, as empresas de leasing e de factoring, as sociedades que efetuem distribuição em dinheiro mediante sorteio, as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das atividades listadas no artigo; as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionarias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas no artigo; as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis, que comercializem joias, pedras e metais preciosos, objetos de arte, antiguidades, bens de luxo ou de alto valor.
Além dessas pessoas e entes, a Lei 12.683/12 acrescentou as seguintes: as juntas comerciais e os registros públicos; as empresas de transporte e guarda de valores; as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização; e as que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares.[8]
Ademais, cabe especial destaque a inclusão feita pela Lei 12.683/12, no sentido de que se sujeitam às obrigações referidas nos artigos 10 e 11, as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.
Ora, verifica-se, portanto, que o escopo das pessoas antes submetidas à lei agora foi sobremaneira ampliado para as pessoas sujeitas ao mecanismo de controle (quem), chegando mesmo a abranger várias situações e hipóteses que antes não estavam contempladas no diploma legal.
O Capítulo VI traz “Da Identificação dos Clientes e Manutenção de Registros” (como) e o seu artigo 10 prevê que as pessoas elencadas no artigo 9º (quem) deverão: I — identificar seus clientes e manter cadastro atualizado; II — manter registro de toda transação em moeda nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo passível de ser convertido em dinheiro que ultrapassar certo limite; III — adotar políticas, procedimentos e controles internos, compatíveis com seu porte e volume de operações, que lhes permitam a atender ao disposto tanto no artigo 10 como também no art. 11; IV — cadastrar-se e manter seu cadastro atualizado no órgão regulador ou fiscalizador e, na falta deste, no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf); atender às requisições formuladas pelo Coaf na periodicidade, forma e condições por ele estabelecidas, cabendo-lhe preservar, nos termos da lei, o sigilo das informações prestadas.
Em qualquer um dos casos acima, as pessoas referidas no artigo 9º deverão observar as instruções expedidas pela autoridade competente para regulamentar o artigo 10 da Lei 12.683/12. Além disso, o artigo 10-A, incluído pela lei em foco, estabelece que o Banco Central mantenha registro centralizado formando o cadastro geral de correntistas e clientes de instituições financeiras, bem como de seus procuradores.
O Capítulo VII prevê “Da Comunicação de Operações Financeiras” (o que) e o artigo 11 dispõe que as pessoas referidas no artigo 9º: I — dispensarão especial atenção às operações que possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos na lei ou com eles relacionar-se; II — deverão comunicar ao Coaf, abstendo-se de dar ciência de tal ato a qualquer pessoa, inclusive àquela à qual se refira a informação, no prazo de 24 horas, a proposta ou realização de todas as transações referidas no inciso II do artigo 10, acompanhadas da identificação de que trata o inciso I do artigo 10, bem como das operações referidas no inciso I do artigo 11; e III — deverão comunicar ao órgão regulador ou fiscalizador da sua atividade ou, na sua falta, ao Coaf, a não ocorrência de propostas, transações ou operações passíveis de serem comunicadas nos termos do inciso II do artigo 11. Em qualquer um dos casos acima, as pessoas referidas no artigo 9º deverão observar as instruções expedidas pela autoridade competente para regulamentar o artigo 10 da Lei 12.683/12. Além disso, o artigo 11-A estabelece que as transferências internacionais e os saques em espécie deverão ser previamente comunicados à instituição financeira, nos termos, limites, prazos e condições fixados pelo Banco Central do Brasil.
O Capítulo VIII cuida “Da Responsabilidade Administrativa” e compõe-se dos artigos 12 e 13. O artigo 12 prescreve as sanções aplicáveis, cumulativamente ou não, às pessoas referidas no artigo 9º que deixem de cumprir as obrigações previstas nos artigos 10 e 11. São elas: I — advertência (aplicável por irregularidade no cumprimento das obrigações referidas nos incisos I e II do art. 10); II — multa pecuniária (aplicável quando por culpa ou dolo, deixarem de sanar as irregularidades objeto de advertência, não cumprirem o disposto nos incisos I a IV do artigo 10, deixarem de atender a requisição formulada nos termos do inciso V do artigo 10 e descumprirem a vedação ou deixarem de fazer a comunicação a que se refere o artigo 11) variável não superior: a) ao dobro do valor da operação; b) ao dobro do lucro real obtido ou que presumivelmente seria obtido pela realização da operação; ou c) ao valor de vinte milhões de reais (incluída pela lei nova); III — inabilitação temporária (aplicável quando forem verificadas infrações graves quanto ao cumprimento das obrigações constantes da lei ou quando ocorrer reincidência específica, devidamente caracterizada em transgressões anteriormente punidas com multa), pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas referidas no artigo 9; e IV — cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade, operação ou funcionamento (aplicável nos casos de reincidência específica de infrações anteriormente punidas com a pena prevista no inciso III do caput do artigo 12).
Apesar da previsão inicial de que podem ser aplicadas cumulativamente, as sanções previstas claramente aumentam a gravidade da punição de modo que devem ser aplicadas sucessivamente, isto é, da mais branda (advertência) para a mais grave (cassação ou suspensão da autorização para o exercício da atividade). Isso é confirmado pela previsão de aplicação de cada pena para cada situação, ficando as mais graves reservadas aos casos de reincidência. Logo, em caso de reincidência, e apenas e tão somente nessa hipótese, é que se vislumbra a legitimidade de eventuais aplicações cumulativas das penas previstas. O entendimento contrário pode levar ao absurdo de aplicar uma pena mais grave para uma situação que não requeira tamanha reprimenda, onerando demasiadamente a pessoa apenada em flagrante violação aos princípios mais basilares do Direito.
Em qualquer caso, o procedimento para a aplicação das sanções previstas no Capítulo VIII será regulado por decreto, assegurados o contraditório e a ampla defesa.
Cabe especial atenção à regulamentação que será expedida, com o objetivo de verificar a legitimidade e conformação legal e constitucional dos seus dispositivos.
Das decisões do Coaf relativas às aplicações de penas administrativas caberá recurso ao ministro de Estado da Fazenda.
A composição do Coaf sofreu ligeira modificação, com o acréscimo de servidores públicos do Ministério da Justiça e do Ministério da Previdência Social. Além disso, a nomeação ocorre por ato do ministro de Estado da Fazenda atendendo à indicação dos respectivos ministros de Estado.
Por fim, a Lei 12.683/12 acrescentou o Capítulo X, referente às “Disposições Gerais”. O artigo 17-A dispõe que se aplicam, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com a lei.
O artigo 17-B estabelece que a autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito.[9]
O artigo 17-C prevê que os encaminhamentos das instituições financeiras e tributárias em resposta às ordens judiciais de quebra ou transferência de sigilo deverão ser, sempre que determinado, em meio informático.
O artigo 17-D reza que em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.
O artigo 17-E determina que a Secretaria da Receita Federal conservará os dados fiscais dos contribuintes pelo prazo mínimo de cinco anos, contado a partir do início do exercício seguinte ao da declaração de renda respectiva ou ao do pagamento do tributo.
É louvável a tentativa e o empenho dos nossos nobres congressistas, no sentido de coibir o flagelo que é a lavagem de dinheiro no Brasil. Tendo sido editada em 1998 a Lei 9.613, veio em boa hora a sua reforma (pela Lei 12.683/12) para tornar a persecução penal de tais crimes mais eficiente. Com o transcurso de tal lapso de tempo, é razoável e lógico incorporar na legislação as virtudes e afastar as vicissitudes verificadas com a experiência prática.
Contudo, é importante que no afã de coibir esse odioso crime, que tanto prejuízo causa ao Brasil, violações não sejam perpetradas contra a nossa Constituição da República, sob pena de os fins justificarem os meios, que não se coaduna com um Estado democrático de Direito como o que queremos construído no nosso Brasil.
[1] A título ilustrativo, eis o objetivo declarado do então projeto de lei que foi aprovado em comissão do Senado Federal: “O projeto procura tornar mais céleres os procedimentos processuais, o que é de extrema relevância para a real coercividade da norma, uma vez que a rapidez de movimentos do crime organizado e das redes de corrupção, aliada ao grande poderio econômico que detêm e à grande capacidade que têm de transformar rapidamente sua riqueza ilícita nos mais diversos tipos de ativos, cruzando as fronteiras nacionais, exige como resposta do ordenamento jurídico que sejam criadas regras processuais céleres e que não abram flancos para a ação estratégica dessas organizações, que detêm exércitos de especialistas voltados para explorar cada fresta deixada pela legislação” (Parecer nº 625, da relatoria do Senador José Pimentel, da Comissão de Assuntos Econômicos). Em seguida, em mais um parecer lavrado no âmbito de comissão do Senado Federal, constou que: “Como bem consta do parecer aprovado pela CAE, a rapidez com que o crime organizado se sofistica e se estende em ramificações internacionais faz com que os Estados nacionais tenham que se aparelhar muito rapidamente, também no campo normativo, para lhe dar combate efetivo. Nesse sentido, a proposição em análise absorve avanços que foram sendo incorporados recentemente nas legislações de vários países para dar mais eficácia ao combate aos crimes de lavagem de dinheiro e conexos” (Parecer nº 626, da relatoria do Senador Eduardo Braga, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania).
[2] Quando foi publicada a Lei nº 9.613/98, o seu art. 1º previa como crime: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II – de terrorismo e seu financiamento (redação dada pela Lei nº 10.701/03); III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV – de extorsão mediante sequestro; V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI – contra o sistema financeiro nacional; VII – praticado por organização criminosa; VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (incluído pela Lei nº 10.647/02)”.
[3] Nesse sentido, foram devidamente adequados os seguintes dispositivos: caput e §§ 1º e 2º do art. 1º, § 1º do art. 3º e caput e §§ 2º e 4º do art. 4º. Remanesceram, contudo, alguns trechos da Lei que mantiveram o vocábulo “crime”, como nos §§ 4º e 5º do art. 1º, inciso II e § 2º do art. 2º, caput do art. 4º, inciso I e §§ 1º e 2º do art. 7º e o caput do art. 8º. A justificação que acompanhou o projeto de lei fundamentou porque as contravenções penais deveriam ser incluídas no escopo da lei: “o jogo do bicho, por exemplo, uma das maiores chagas da criminalidade nacional, é amplamente usado para a lavagem de dinheiro e não é previsto na lei como infração antecedente. Assim, se um bicheiro introduz proventos do jogo no sistema financeiro para ocultar ou dissimular a origem, não estará praticando crime nenhum, por maior que seja o montante. Outro exemplo são as máquinas de caça-níqueis, que se proliferam pelo país. E típico jogo de azar cujos proventos podem ser injetados no sistema financeiro sem risco de incriminação, pois o jogo não é crime, mas mera contravenção penal”. Em seguida, consignou ainda que: “Também era ilógica a ausência no rol do art. 1º dos crimes contra a ordem tributária. Só a sonegação na área da Previdência está em torno de 40%. Isso significaria, em 2002, cerca de R$ 28 bilhões. Os latifundiários, que deveriam pagar R$ 2 bilhões de ITR por ano, não chegam a pagar R$ 300 milhões, dada a falta de estrutura de fiscalização da Receita Federal”.
[4] Com efeito, nas palavras do Senador: “A nova proposta é deixar o rol em aberto; isto é, a ocultação e dissimulação de valores de qualquer origem ilícita – provenientes de qualquer conduta infracional, criminosa ou contravencional – passará a permitir a persecução penal por lavagem de dinheiro. Isso igualaria nossa legislação à de países como os Estados Unidos da América, México, Suíça, França, Itália, entre outros, pois passaríamos de uma legislação de ‘segunda geração’ (rol fechado de crimes antecedentes) para uma de ‘terceira geração’ (rol aberto)”.
[5] Cabe registrar que: “A proposição estende a possibilidade de apreensão aos bens em nome de interpostas pessoas, ou seja, de terceiros, os chamados ‘laranjas” (Parecer nº 625, da relatoria do Senador José Pimentel, da Comissão de Assuntos Econômicos). Contudo, a cabeça do art. 4º dispõe que, “havendo indícios suficientes de infração penal”, o juiz poderá decretar as medidas assecuratórias previstas na Lei. Ora, isso pode violar os incisos LIV e LVII do art. 5º da Constituição da República.
[6] De igual modo, a possibilidade de alienação antecipada pode violar os incisos LIV e LVII do art. 5º da Constituição da República.
[7] Cabe registrar que: “Outra alteração importante é estender para os Estados e o Distrito Federal o direito de receber os bens (instrumentos, produtos e proveitos do crime) objeto de perda em razão da condenação penal. O art. 91, II, do Código Penal só permite a perda em favor da União” (Parecer nº 625, da relatoria do Senador José Pimentel, da Comissão de Assuntos Econômicos).
[8] Com efeito, é relevante assinalar que: “Outra inovação relevante é o aumento do rol de instituições-garantes do sistema de prevenção à lavagem de dinheiro (art. 9º). Assim, mais instituições são chamadas a adotar políticas rígidas de ‘conheça o seu cliente’ e a efetuar comunicações de operações suspeitas às autoridades competentes, como as juntas comerciais, agenciadoras de atletas, empresas de transporte de valores, entre outras” (Parecer nº 625, da relatoria do Senador José Pimentel, da Comissão de Assuntos Econômicos).
[9] Em parecer quando tramitou no Senado Federal, o órgão competente entendeu que tal acesso não se imiscuiu “na intimidade individual e, portanto, resguardando a cláusula constitucional prevista no inciso XI, do art. 5º da Constituição Federal, que garante a inviolabilidade do conteúdo da correspondência, das comunicações telegráficas, telefônicas e de dados” (Parecer nº 626, da relatoria do Senador Eduardo Braga, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania). A justificativa que motivou o projeto de lei apresentado no âmbito do Senado Federal dispunha que: “Vários são os empecilhos práticos, objeto de preocupação por parte da presente proposta, os quais o Judiciário, o Ministério Público e a polícia têm encontrado no combate ao crime de lavagem de dinheiro. Entre eles, podem ser citados: a renitência das instituições bancárias e outros órgãos, tais como empresas telefônicas, Receita Federal, entre outros, em fornecer informações, mesmo que somente cadastrais, sobre clientes e/ou usuários, sob a repisada alegação de sigilo; o encaminhamento de informações, objeto de quebra de sigilo, incompletas e ilegíveis, ensejando reiteradas cobranças; a inflexibilidade da quebra do sigilo bancário, pois para cada requisição de documentos ou informação é necessária nova quebra de sigilo, o que torna a persecução penal insuportavelmente morosa”. Resta saber se o dispositivo viola ou não o inciso XII do art. 5º da Constituição da República.
Fábio Martins de Andrade é advogado, doutor em Direito Público pela UERJ e autor da obra “Modulação em Matéria Tributária: O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF”.
Revista Consultor Jurídico, 20 de agosto de 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário