As duas rebeliões em presídios do Maranhão e do Amazonas, com 21 mortos, expuseram (mais uma vez) a real situação do sistema carcerário brasileiro. O diagnóstico que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) começou a fazer em 2008 e confirmou em praticamente todos os Estados é: superlotação, más condições, demora nos julgamentos, tráfico de drogas e violência dentro dos presídios. O que aconteceu nessas duas cadeias nesta semana não é exceção. Ao contrário, todo o sistema carcerário corre o mesmo risco. E as ameaças aumentam com o tráfico de drogas em profusão, em especial crack, nos presídios, afirma ao Estado o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ, Luciano Losekann.
O que aconteceu no presídio de Pedrinhas (MA) é caso isolado?
Isso, infelizmente, tem se tornado regra. O problema da superlotação causa a ausência de um tratamento penal. O preso é simplesmente jogado no estabelecimento sem nenhuma atividade, sem tratamento psicológico ou psiquiátrico, sem qualquer tipo de trabalho.
E o que isso provoca?
Uma decorrência disso é que o tráfico de drogas está em profusão também dentro do sistema carcerário. Aquela noção de que o sujeito ficará isolado não é verdade. O traficante continua sua atividade dentro do presídio, às vezes com o beneplácito do Estado. (...) Isso se associa também à prática de tortura. O sujeito privado de liberdade, sendo torturado, sendo cooptado pelo tráfico, traficando lá dentro e sendo aliciado pelo crime organizado dentro do estabelecimento penal cria esse tipo de caldo de cultura para essas rebeliões.
Elas têm razão de ser. É isso?
Infelizmente, por vezes, sim. A rebelião resulta da desconformidade do preso com esse tipo de situação, que é realmente insuportável. É só nos colocarmos no lugar no apenado. Imagine você privado de liberdade, sendo cooptado e tendo de se submeter a isso aí.
Rebeliões como de Pedrinhas podem repetir-se?
Rebeliões podem repetir-se pela situação de negligência e descaso que vemos por parte dos Executivos estaduais em relação ao sistema penitenciário.
Por que os governos estaduais não investem no sistema?
A grande preocupação hoje das Secretarias de Segurança dos Estados é investir nas Polícias Civil e Militar. Mas esquecem a ponta do sistema de segurança pública que é o sistema penitenciário. Hoje, o sistema penitenciário é produtor de criminalidade. E sinceramente não vejo luz no fim do túnel enquanto a sociedade brasileira não debater seriamente seu sistema prisional. Estamos caminhando a passos largos para uma política de encarceramento adotada pelos Estados Unidos há 30 anos e não vamos ter presídios suficientes para toda a população carcerária. (...) Ou vamos intervir de forma muito clara e forte sobre o que queremos sobre política de segurança nessa área ou estamos fadados ao insucesso. Todas as políticas até agora não estão dando certo.
Por exemplo?
A política nacional antidrogas é um fracasso. Hoje, os filhos da classe média passaram a cumprir pena no nosso sistema carcerário. Eles começam a se viciar em crack e a cometer delitos leves que deságuam no roubo. São filhos de professores, psiquiatras, advogados, médicos. E a sociedade parece não estar preocupada com isso. Um problema que é de saúde pública acabou sendo judicializado.
Há uma mudança?
Não sei se posso falar que é positivo, mas a classe média, que nunca se preocupou com o sistema penitenciário, porque era coisa para pobre e marginal, começa a ser afetada. Essas famílias passaram a fazer um périplo pelas Varas de Execução Penal para falar com os juízes, porque começaram a se dar conta de que os filhos podem ir para esse sistema que não recupera ninguém.
E o Judiciário?
Os juízes estão impotentes para lidar com o tráfico. Não é apenas fora do sistema, dentro dos presídios é um caos. Hoje não temos como tratar essas pessoas lá dentro. Seguramente, de 50% a 80% da população carcerária, variando conforme o Estado, é viciada em crack, que circula livremente nas celas.
A prisão agrava esse vício?
É um erro se imaginar que ao prender o viciado o problema estará resolvido. Ao contrário, o problema será aumentado. (...) Temos uma bomba-relógio armada e pronta para estourar.
A política antidrogas não existe dentro do presídio?
Se a política nacional antidrogas fora do sistema é ruim, dentro dos presídios é duas vezes pior. Não existe tratamento nenhum. Temos uma lei que trata o usuário como problema de saúde pública, o que acho correto. Mas o problema de saúde pública foi transferido para a área de segurança pública, caindo na cloaca do sistema de justiça social que é o Poder Judiciário. Hoje temos dados de situações escandalosas. Pessoas que nunca tiveram o problema do vício passaram a se viciar em crack.
O que isso provoca?
Mais criminalidade. Porque esse sujeito vai procurar mais droga quando sair do sistema. O sistema é tão perverso que a família do preso hoje é refém do tráfico de drogas. Os familiares têm de levar celulares, facas. E quem não se submete a isso tem a família ameaçada ou é torturado dentro do presídio.
O comércio de drogas é volumoso dentro dos presídios?
Estima-se que no presídio central de Porto Alegre circulam por mês R$ 40 mil somente com tráfico de drogas. Isso é uma estimativa do que se trafica só ali dentro. Um fator preocupante que permite isso é o comprometimento de agentes penitenciários com o tráfico de drogas e armas.
O que aconteceu no presídio de Pedrinhas (MA) é caso isolado?
Isso, infelizmente, tem se tornado regra. O problema da superlotação causa a ausência de um tratamento penal. O preso é simplesmente jogado no estabelecimento sem nenhuma atividade, sem tratamento psicológico ou psiquiátrico, sem qualquer tipo de trabalho.
E o que isso provoca?
Uma decorrência disso é que o tráfico de drogas está em profusão também dentro do sistema carcerário. Aquela noção de que o sujeito ficará isolado não é verdade. O traficante continua sua atividade dentro do presídio, às vezes com o beneplácito do Estado. (...) Isso se associa também à prática de tortura. O sujeito privado de liberdade, sendo torturado, sendo cooptado pelo tráfico, traficando lá dentro e sendo aliciado pelo crime organizado dentro do estabelecimento penal cria esse tipo de caldo de cultura para essas rebeliões.
Elas têm razão de ser. É isso?
Infelizmente, por vezes, sim. A rebelião resulta da desconformidade do preso com esse tipo de situação, que é realmente insuportável. É só nos colocarmos no lugar no apenado. Imagine você privado de liberdade, sendo cooptado e tendo de se submeter a isso aí.
Rebeliões como de Pedrinhas podem repetir-se?
Rebeliões podem repetir-se pela situação de negligência e descaso que vemos por parte dos Executivos estaduais em relação ao sistema penitenciário.
Por que os governos estaduais não investem no sistema?
A grande preocupação hoje das Secretarias de Segurança dos Estados é investir nas Polícias Civil e Militar. Mas esquecem a ponta do sistema de segurança pública que é o sistema penitenciário. Hoje, o sistema penitenciário é produtor de criminalidade. E sinceramente não vejo luz no fim do túnel enquanto a sociedade brasileira não debater seriamente seu sistema prisional. Estamos caminhando a passos largos para uma política de encarceramento adotada pelos Estados Unidos há 30 anos e não vamos ter presídios suficientes para toda a população carcerária. (...) Ou vamos intervir de forma muito clara e forte sobre o que queremos sobre política de segurança nessa área ou estamos fadados ao insucesso. Todas as políticas até agora não estão dando certo.
Por exemplo?
A política nacional antidrogas é um fracasso. Hoje, os filhos da classe média passaram a cumprir pena no nosso sistema carcerário. Eles começam a se viciar em crack e a cometer delitos leves que deságuam no roubo. São filhos de professores, psiquiatras, advogados, médicos. E a sociedade parece não estar preocupada com isso. Um problema que é de saúde pública acabou sendo judicializado.
Há uma mudança?
Não sei se posso falar que é positivo, mas a classe média, que nunca se preocupou com o sistema penitenciário, porque era coisa para pobre e marginal, começa a ser afetada. Essas famílias passaram a fazer um périplo pelas Varas de Execução Penal para falar com os juízes, porque começaram a se dar conta de que os filhos podem ir para esse sistema que não recupera ninguém.
E o Judiciário?
Os juízes estão impotentes para lidar com o tráfico. Não é apenas fora do sistema, dentro dos presídios é um caos. Hoje não temos como tratar essas pessoas lá dentro. Seguramente, de 50% a 80% da população carcerária, variando conforme o Estado, é viciada em crack, que circula livremente nas celas.
A prisão agrava esse vício?
É um erro se imaginar que ao prender o viciado o problema estará resolvido. Ao contrário, o problema será aumentado. (...) Temos uma bomba-relógio armada e pronta para estourar.
A política antidrogas não existe dentro do presídio?
Se a política nacional antidrogas fora do sistema é ruim, dentro dos presídios é duas vezes pior. Não existe tratamento nenhum. Temos uma lei que trata o usuário como problema de saúde pública, o que acho correto. Mas o problema de saúde pública foi transferido para a área de segurança pública, caindo na cloaca do sistema de justiça social que é o Poder Judiciário. Hoje temos dados de situações escandalosas. Pessoas que nunca tiveram o problema do vício passaram a se viciar em crack.
O que isso provoca?
Mais criminalidade. Porque esse sujeito vai procurar mais droga quando sair do sistema. O sistema é tão perverso que a família do preso hoje é refém do tráfico de drogas. Os familiares têm de levar celulares, facas. E quem não se submete a isso tem a família ameaçada ou é torturado dentro do presídio.
O comércio de drogas é volumoso dentro dos presídios?
Estima-se que no presídio central de Porto Alegre circulam por mês R$ 40 mil somente com tráfico de drogas. Isso é uma estimativa do que se trafica só ali dentro. Um fator preocupante que permite isso é o comprometimento de agentes penitenciários com o tráfico de drogas e armas.
Fonte: Felipe Recondo - O Estado de S.Paulo
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