O Direito Penal não tem evoluído na direção do agravamento das penas mas, pelo contrário, no sentido de seu abrandamento.
Em torno desta questão são tecidas as considerações que se seguem e que submeto à reflexão dos leitores.
Em 15 de outubro de 1833, o juiz Manoel Fernandes dos Santos, da Vila de Porto da Folha, no Estado de Sergipe, condenou Manoel Duda à perda do pênis, por decepamento, conforme sentença guardada no Instituto Histórico de Alagoas.
Segundo os autos, o réu Manoel Duda tentou manter relações sexuais à força com a mulher de um cidadão de Porto da Folha. Este crime seria hoje o previsto no artigo 213 do Código Penal – “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. (Pena de reclusão de seis a dez anos, se o crime vier a ser consumado).
A conduta de Manoel Duda foi descrita pela sentença com o vocabulário da época:
“Quando a mulher do Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra, que estava em uma moita de mato, sahiu della de supetão e fez proposta a dita mulher, por quem queria para coisa que não se pode trazer a lume, e como ella se recuzasse, o dito cabra abrafolou-se dela, deitou-a no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará. Elle não conseguiu matrimonio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreto Correia e Norberto Barbosa, que prenderam o cujo em flagrante.”
O juiz tece várias considerações sobre o réu chegando a dizer:
“Que Manoel Duda é um sujeito perigoso e que se não tiver uma cousa que atenue a perigança dele, amanhan está metendo medo até nos homens.”
Depois das considerações de estilo, o juiz lavra a condenação que transcrevo exatamente como consta do original:
“CONDENO o cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do Xico Bento, a ser capado, capadura que deverá ser feita a macete. A execução desta peça deverá ser feita na cadeia desta Villa. Nomeio carrasco o carcereiro.”
O Direito Penal moderno prega a individualização da pena e de sua execução. Individualizar a aplicação e a execução da pena é adaptá-la a cada pessoa.
A lei dos crimes hediondos caminha em sentido oposto ao desenvolvimento do Direito Penal contemporâneo. Isto porque essa lei carimba com a etiqueta de hediondos certos crimes quando, na verdade, o que torna um crime hediondo, ao lado da definição legal, são as circunstâncias em que o delito foi praticado.
Um crime definido como hediondo pode continuar sendo grave, mas não hediondo, à face de determinadas circunstâncias. Em sentido contrário, um crime menos grave pode assumir contornos de severa gravidade conforme a situação em que tenha sido praticado.
Somente o juiz, tratando cada caso em particular, com sabedoria, prudência, profundidade psicológica, senso do social, pode realmente aquilatar a gravidade dos crimes e fazer Justiça. Definir um delito antecipadamente como hediondo é um óbice à missão judicial.
João Baptista Herkenhoff, 74 anos, Professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Autor do livro Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (Editora GZ, Rio de Janeiro, 2010). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
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