terça-feira, 9 de novembro de 2010

Lei já contribui para mudar comportamento de pais separados

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O Brasil é, desde agosto desse ano, o primeiro país a ter uma lei específica para proteger crianças e adolescentes contra as práticas de alienação parental (AP), segundo especialistas. "O problema não é novo. É só reparar com que frequência pais separados transformam os filhos em instrumento de pressão de um contra o outro", situa o senador Paulo Paim (PT-RS), um dos relatores do projeto que resultou na Lei 12.318/10, ao lado do senador Pedro Simon (PMDB-RS).
Agora, com uma alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069), os pais e seus familiares terão que tomar mais cuidado com o que dizem e com o que fazem aos filhos no processo de separação, para não aliená-los do convívio com o outro genitor. O novo texto legal chega a exemplificar sete formas de AP. Elas variam desde a campanha de desqualificação do genitor que não fica com a guarda dos filhos, geralmente os pais, até apresentação de falsas denúncias contra esse genitor e seus familiares (veja resumo da lei).
Os casais que não conseguem fazer o chamado "luto da separação", como classificam alguns especialistas, são capazes de atos perversos, usando os filhos como instrumento de vingança. Uma das formas que vem crescendo e chamando cada vez mais a atenção de juristas, psicólogos e assistentes sociais é a falsa denúncia de abuso sexual, geralmente contra pais, porque no Brasil a guarda ainda é concedida em quase sua totalidade às mães.
Embora faltem estatísticas nessa área, a desembargadora gaúcha Maria Berenice Dias, relatora de uma das primeiras decisões judiciais no Brasil com base na AP (veja...), estima que 30% dessas denúncias de abuso são falsas e em outras 40% há dificuldade em se obter resultado preciso, comprovando-se apenas 30%. Mas, na dúvida, o convívio é interrompido. "A atitude imediata do juiz é suspender as visitas, como forma de proteger a criança. E o processo de averiguação da veracidade da acusação leva tempo", explica a desembargadora (veja....).
Por essa razão, a nova legislação tentou ajudar o convívio dos filhos com o genitor alienado que sofre falsas denúncias, assegurando como garantia mínima a visitação assistida, desde que não haja prejuízo à integridade física e psicológica da criança ou do adolescente. "Os juízes passaram a ter instrumento que lhes proporciona conforto legal nassuas decisões sobre os direitos previstos na Constituição e no ECA", avalia Paim.
Apesar das controvérsias sobre a oportunidade e a eficácia da lei, principalmente entre os psicólogos (veja nessa página), o juiz paulista Elizio Luiz Perez diz que ela já está cumprindo o seu caráter pedagógico e chamando a atenção de outros países. "A Espanha vai realizar um congresso em abril e quer conhecer a experiência brasileira", informa. Apesar de não haver lei específica, tribunais de países como Alemanha, Inglaterra, Israel, Suíça, Austrália, Estados Unidos e Canadá reconhecem a legitimidade do termo e decidem com base na AP.
Responsável pela elaboração do anteprojeto disponibilizado na internet, que ganhou 27 versões antes de chegar às mãos do deputado que o apresentou, Régis de Oliveira (PSC-SP), incluindo contribuições de psicólogos, advogados, juristas e entidades que representam pais e mães separados, Perez afirma que a lei procura ampliar a aplicação da guarda compartilhada e já está mudando o comportamento de pais separados.
· Define o ato da alienação parental (AP) como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que detenham a guarda ou vigilância, ou os que os tenham sob sua responsabilidade, para que repudie o outro genitor ou causando prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
· Exemplifica algumas formas de AP, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros. Entre as sete formas citadas no texto legal estão: realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; dificultar contato com outro genitor e o exercício da autoridade parental e do direito regulamentado de convivência familiar; apresentar falsa denúncia contra o outro genitor e seus familiares.
· Orienta o juiz a determinar perícia psicológica ou biopsicossocial quando houver indício da prática de ato de AP. Exige que a perícia seja feita por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, com aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de AP.
· Determina que o laudo pericial seja embasado em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, compreendendo entrevista pessoal com as partes (não mais com apenas um dos lados envolvidos); exame de documentos dos autos; histórico do relacionamento do casal e da separação; cronologia de incidentes; avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor. O prazo para apresentação do laudo é de 90 dias, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada.
· Gradua as penalidades. Dependendo da gravidade do caso, o juiz pode advertir o alienador, ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado, estipular multa ao alienador, determinar acompanhamento psicológico e/ou por médicos e assistentes sociais, determinar alteração da guarda para guarda compartilhada ou inverter a guarda, determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente, declarar a suspensão da autoridade parental.
· Referencia a decisão judicial ao estabelecer que a atribuição ou alteração da guarda dará preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada.
Para os pais separados que buscam alternativas para escapar das contendas na Justiça, o meio mais adequado é a mediação, segundo especialistas. Praticada no Brasil há cerca de 15 anos, ela proporciona, desde que haja a adesão voluntária das duas partes, a transformação de conflitos. "O mediador escuta imparcialmente as partes e as conduz de forma a que não percam o foco no conflito em si, para poder transformá-lo", conceitua a advogada Fabíola Orlando, vice-presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem (Caprev), criada em agosto de 2009 por iniciativa de procuradores federais.
O mediador não precisa ser necessariamente advogado ou psicólogo. Mas tem que ser profissional devidamente capacitado e habilitado. A seção do Rio Grande do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS) inicia em dezembro a formação de 40 dos 120 profissionais que vão trabalhar na Casa da Mediação, em Porto Alegre, um projeto piloto com recursos da Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça para atendimento gratuito à população que recebe até três salários mínimos, a partir de março de 2011. Há inscritos com 70 anos e com 18 anos. Há desde juízes a profissionais de teatro, segundo o responsável pelo projeto, Ricardo Dornelles, da OAB/RS.
Mesmo em casos graves, que envolvem falsa denúncia de abuso sexual, é possível recorrer à mediação. O atendimento, segundo Dornelles, pode ser separado com cada uma das partes, ou conjunto, se ambas concordarem. Uma das regras da mediação é obter a comunicação pacífica entre as pessoas. "O mediador estimula sempre o lado positivo de cada pessoa e o que cada uma enxerga de positivo na outra. Quando elas conseguem se desarmar e uma ouvir a outra, normalmente há transformação e respeito pelas diferenças, desde que tenham certo padrão de normalidade psicológica", diz ele.
Com isso, a mediação pode ser um meio de os pais em conflito evitarem ou interromperem atos de AP e enxergarem as reais necessidades dos filhos, na avaliação de Fabíola. "É necessário separar a responsabilidade conjugal da parental. A mediação possibilita desenhar o retrato da família para além do porta-retrato", ilustra a especialista em mediação interdisciplinar.
A formalização pode ser um termo de entendimento registrado em cartório, valendo como título extrajudicial, ou um acordo homologado em juízo, o que normalmente ocorre quando envolve guarda dos filhos e visitação. A mediação difere da conciliação, onde o acordo é obtido com a intervenção direta do conciliador, em processo rápido, sem que haja, por exemplo, um olhar aprofundado sobre os conflitos entre as pessoas.
Embora o Brasil ainda esteja engatinhando nessa área, a mediação é amplamente difundida nos Estados Unidos. Lá, por exemplo, se uma família registra queixa na delegacia, a audiência com o juiz ocorre em um ou dois dias, com o encaminhamento imediato a uma equipe interdisciplinar, formada por psicólogos, assistentes sociais e advogados, segundo Fabíola, que há 11 anos fez curso nos EUA de especialização em direito de família voltado para violência doméstica e crianças abusadas.
A equipe atua como cuidadora da família, fazendo diagnóstico profundo das relações familiares, identificando suas necessidades e encaminhando para atendimentos específicos, como por exemplo para terapia infantil ou clínicas especializadas em recuperação de dependentes químicos. Ao mesmo tempo, complementa ela, pode ocorrer a mediação. Dependendo da legislação de cada estado, há ou não acordo homologado em juízo, ou simplesmente um termo de entendimento, que funciona como título extrajudicial.
Apesar de a lei ter buscado apoio na teoria do psiquiatra norte-americano Richard Gardner, que criou em 1985 o termo síndrome de alienação parental (SAP) para designar o conjunto de sequelas que podem afetar crianças e adolescentes vítimas de AP, ela possui uma definição própria (veja resumo da lei).
Mesmo com o cuidado de não se referir nenhuma vez à patologia (SAP), caracterizada quando a criança passa a responder ativamente para a campanha de alienação promovida pelo alienador, a inclusão da AP no ordenamento jurídico brasileiro continua gerando muita polêmica, principalmente entre os psicólogos. O Conselho Federal de Psicologia, entidade que representa mais de 200 mil psicólogos, defende a guarda compartilhada, mas não consegue ter posição definida sobre a lei que trata da AP.
A representante da entidade, Cynthia Rejanne Ciarallo, levantou vários questionamentos sobre a oportunidade de se ter lei específica sobre o tema e o seu caráter educativo e de prevenção aos atos de AP, embora tenha reconhecido a ativa participação de psicólogos jurídicos na elaboração do novo texto legal.
Durante audiência na Câmara, em outubro do ano passado, para instruir o projeto de lei (PL 4.053/08) que resultou na Lei 12.318/10, Ciarallo disse que a entidade prioriza o protagonismo da família, com apoio e suporte do Estado no sentido dela conseguir gerenciar seus próprios conflitos. "A entrada e a inserção do Estado na instância privada e da família, tema bastante controverso, é um caminho que tem levado a uma retirada da competência e do protagonismo da família nas resoluções dos seus conflitos", sustentou a representante do conselho.
Na avaliação de uma das especialistas de referência em psicologia jurídica e clínica, em São Paulo, Tamara Brockhausen, o Brasil é um país pouco intervencionista nas relações privadas no âmbito familiar. "Tem muita lei, mas interfere muito pouco", diz. Os atos de alienação são considerados por muitos especialistas como formas de violência contra crianças e adolescentes.
A psicóloga Sandra Baccara, terapeuta familiar com 30 anos de experiência dos quais 28 com crianças, contou, na audiência na Câmara, a história de um paciente que sofreu depressão profunda no início da adolescência. Recusou-se a voltar para a terapia já adulto, com apoio da mãe alienadora.Vítima de alienação parental, suicidou-se aos 23 anos."Hoje trabalho o sofrimento do pai", relatou Baccara, favorável à lei.
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Durante 17 anos ela não teve a menor possibilidade de conviver com o seu pai, nem sequer possuí uma fotografia dele. Os avós paternos morreram sem que ela os conhecesse, muito menos pôde conviver com os primos. Só aos 19 anos, quando estava na metade do curso de jornalismo, é que Karla Mendes, hoje com 40 anos, descobriu que havia sido alvo de armadilhas e armações da própria mãe para afastá-la não só do pai, que morava nos EUA, como de toda a família paterna.
- Dos dois anos de idade aos 19, tudo o que ouvia era que meu pai não prestava, que havia supostas tentativas de agressão à minha mãe e que ele simplesmente nunca havia nos procurado. Ele, na verdade, procurou com insistência, e esse direito sempre lhe era negado, como também a qualquer pessoa da sua família - contou Karla, que não tem contato com a mãe há sete anos, durante audiência na Câmara.
A jornalista maranhense, que também é bacharel em Direito, engajou-se na luta pela nova lei. Deu entrevistas e participou, com seu pai e sua irmã, do documentário A morte inventada, do diretor carioca Alan Minas, que ajudou a alertar e a mobilizar vários segmentos da sociedade em torno da importância de se coibir legalmente as práticas de AP.
- A alienação não tem nada a ver com guarda. Ela pode ser praticada ainda durante o casamento - afirmou a jornalista, exemplificando com sua própria história. Uma tia materna contou-lhe recentemente que seu avô paterno viajava até a cidade no interior do Nordeste, onde ela e seus pais moravam quando ainda eram casados, só para tentar ver à distância a neta mais velha. "Ficava dentro do carro, na expectativa de me ver passar com um dos meus pais", relatou. Essa proibição de contato com a família paterna contribuiu para a separação dos pais.
Uma das práticas mais cruéis de alienação parental, e que vem ocorrendo com muita frequência, segundo especialistas, é a falsa denúncia de abuso sexual contra o pai ou a mãe que não detém a guarda dos filhos. Diante de uma acusação grave como essa, os juízes geralmente suspendem imediatamente as visitas como forma de proteger a criança ou o adolescente, determinando avaliação médica e psicológica do alienado, e tratamento clínico dependendo do caso.
O genitor alienado recorre para mostrar que isso não passa de uma represália da ex-parceira. Só que todo esse processo pode durar anos, impedindo o convívío entre os filhos e o genitor alienado, na maioria dos casos o pai. No Brasil, a guarda dos filhos geralmente é concedida às mães.
O arquiteto gaúcho Virgílio Matos, representante da Associação de Pais e Mães Separados (Apase) no seu estado, engrossa a lista de pais que sofrem com essa perversidade. Há três anos não vê e nem fala com seu filho Jerônimo, atualmente com dez anos e morando em Florianópolis com a mãe. "Era uma separação amigável e as visitas eram liberadas", recorda Matos.
Tudo começou em 2005, quando a ex-mulher descobriu que o arquiteto estava namorando. Surgiram as retaliações e o sentimento de vingança. "Não demorou veio a falsa denúncia de abuso sexual. Houve até laudos falsos e outros mal elaborados. O processo que tinha dez folhas hoje está com 1,5 mil", relata Matos, que aguarda para dezembro um desfecho do seu caso na Justiça.
Inconformado, o arquiteto acabou ajudando em uma das primeiras decisões judiciais com base na alienação parental de que se têm notícia no Brasil. A desembargadora Maria Berenice Dias, hoje aposentada, considerada uma referência no assunto, conta que foi procurada por Matos, que estava desesperado com sua situação. "Ele levou alguns textos dos Estados Unidos sobre alienação parental", lembra Berenice Dias, em entrevista aoJornal do Senado. Desde então ela aprofundou seus estudos sobre o tema.
Matos diz que entregou a ela uma pesquisa de cem folhas e o livro Psicologia jurídica no processo civil brasileiro, de autoria da psicóloga paulista Denise Perissini da Silva. Essa iniciativa auxiliou a desembargadora na elaboração, em 2006, do seu parecer no processo em que um fazendeiro do interior do Rio Grande do Sul corria o risco de perder o "poder familiar", sob acusação de ter abusado da filha em 2005, quando ela tinha apenas três anos.
Os laudos psiquiátricos revelaram a manipulação da mãe, que procurou incutir na menina uma "falsa memória" de abuso sexual por parte do pai. Vanessa dizia, segundo o laudo, que não gostava do pai porque ele fazia maldade. "Quando há essa falsa denúncia de abuso, a criança acaba se convencendo de que aquilo dito de forma reiterada de fato aconteceu. O dia que descobrir o que realmente ocorreu, ela já terá sofrido todas as consequências de um abuso. Rejeitará o genitor alienador, sentirá pena daquele pai de quem se afastou e, às vezes, continuará a alimentar por ele sentimento de rechaço e repulsa. Isso tudo é absolutamente nefasto para o desenvolvimento de qualquer pessoa", avalia Berenice Dias.
Cíntia Sasse/ Jornal do Senado

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