Os moradores de rua parecem muitas vezes invisíveis aos olhares dos transeuntes e das autoridades públicas de São Paulo. No dia 11 de maio desse ano, ocorreu uma chacina, no bairro do Jaçanã, em que seis pessoas que dormiam sob um viaduto foram mortas a tiros. Essa matança revela que a invisibilidade dos moradores de rua, culmina no desamparo e na criminalização.
Os moradores de rua ouvidos pela Agência Brasil durante as últimas semanas afirmaram já terem sido agredidos ou, no mínimo, destratados enquanto caminhavam ou dormiam em bairros de São Paulo. Todos disseram, também, que os policiais militares e os guardas-civis metropolitanos são os maiores agressores.
Átila Pinheiro, ex-morador de rua e um dos coordenadores do Movimento Nacional da População de Rua, relata que é difícil dizer por que a violência contra esse setor social vem crescendo tanto nos últimos anos, mas acredita que alguns fatores são determinantes para tal comportamento. “Isso vem sendo motivado pelo incômodo que a sociedade, como um todo, sente dos moradores de rua. São pessoas mais vulneráveis, pois são invisíveis por não terem a proteção do Estado, geralmente por não terem documentos e por terem perdido seus vínculos familiares”.
De acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, dentre toda a população de moradores de rua de São Paulo, 79,6% fazem apenas uma refeição por dia e 19% não conseguem se alimentar diariamente.
Na opinião de Átila, essa vulnerabilidade e conseqüente violência acontecem porque faltam, em São Paulo, não somente políticas públicas diferenciadas, que segregam e discriminam territorialmente os moradores de rua, mas, principalmente, “políticas intersetoriais, integralistas, que incluam a saúde, tratem a questão do álcool e das drogas, atenuem a questão do trabalho e da habitação. Todos esses elementos não são abordados juntos”, lamenta.
Em 2009, a Prefeitura de São Paulo fechou três albergues na região central, acabando com 1.154 das 8 mil vagas que existiam, conforme dados oficiais.
“No que restou dos albergues centrais, como, por exemplo, o da Pedroso, construído debaixo do próprio viaduto Pedroso, no bairro da Bela Vista, todos os moradores de rua que chegam são colocados juntos e recebem o mesmo tipo de tratamento. Sabemos que essa população é heterogênea em suas características – há pessoas com problemas de saúde física ou mental, por exemplo –, portanto, há de existir um tratamento individual”, defende Átila.
A Prefeitura de São Paulo também determinou, através de uma portaria assinada no dia 1º de abril de 2010, que a Guarda Civil Metropolitana passasse a “contribuir para evitar a presença de pessoas em situação de risco nas vias e áreas públicas da cidade e locais impróprios para a permanência saudável das pessoas”. O cumprimento dessa determinação inclui “toque de despertar”, inclusive com utilização de bombas, para impedir que a população moradora de rua possa dormir.
A Promotoria de Inclusão Social do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) instaurou, também em abril, um inquérito civil para investigar a atuação da GCM no tratamento aos moradores de rua. O promotor Eduardo Valério, responsável pelo caso, disse que há indícios de irregularidades na portaria. “Morador de rua não é caso de polícia, é caso de assistência social”, afirmou ele.
A prefeitura, em nota, informou que a portaria sobre a GCM visa “ao melhor atendimento às pessoas em situação de risco”. Segundo ela, os casos de violência de membros da guarda devem ser denunciados.
Diante desse quadro, para Átila, sem uma diretriz governamental que resolva ou minimize os problemas das pessoas que moram nas ruas – que, hoje, na cidade de São Paulo, formam um contingente de, aproximadamente, 14 mil moradores de rua, segundo dados da própria prefeitura –, a violência contra elas será difícil de cessar. “É difícil prever se teremos outras ações criminosas como essas, mas sabemos que o que está sendo feito hoje pelas autoridades leva a isso”, desabafa.
Vale lembrar os crimes que ceifaram as vidas de sete moradores de rua em agosto de 2004, na região da Sé, Centro de São Paulo, os quais não tiveram êxito nas investigações. Ou seja, os culpados continuam impunes.
Os assassinatos de 2004 e 2010 revelam que ainda estamos diante de uma situação de ampla negligência estatal para com a população carente das ruas de São Paulo. Átila vai mais além: para ele, “as corporações de segurança e a população sabem que existe um movimento de policiais envolvidos nessa violência contra os moradores de rua”.
Fonte: Brasil de Fato; Agência Brasil Notícias; Repórter Brasil.
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