A Comissão de Seguridade Social da Câmara Federal aprovou recentemente um projeto de lei que, entre outras coisas, institui um benefício econômico para mulheres grávidas vítimas de estupro que não desejem realizar aborto. Este benefício foi cunhado por grupos feministas críticos como “bolsa-estupro”.
A proposta do projeto de lei segue agora para a Comissão de Finanças e Tributação, onde será analisada a viabilidade financeira da matéria.
O projeto prevê que o Estado arque com os custos do desenvolvimento e da educação da criança até que venha a ser identificado e responsabilizado o genitor (autor do estupro) ou que a criança seja adotada por terceiros. Se identificado o responsável pelo crime, ele, além de responder criminalmente, deverá pagar pensão ao filho por período a ser determinado.
Um ponto polêmico do projeto é a fixação e a permanência de vínculo entre vítima e agressor. O texto prevê que a criança pode receber pensão alimentícia do agressor-pai, bem como este pode reivindicar seus direitos de paternos. Ou seja, a vítima permaneceria ligada ao agressor pelo filho, o que pode ensejar graves conflitos, inclusive psicológicos.
“Essa bolsa é uma forma das mulheres não recorrerem ao aborto legal. É uma iniciativa muito grave, pois dá a um criminoso os direitos de pai e, além disso, institui a tortura, já que a mulher será obrigada a ficar nove meses carregando o bebê vítima de estupro. Esse projeto é retrógrado e fundamentalista”, disse a coordenadora nacional da Articulação das Mulheres do Brasil e da Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, Rogéria Peixinho.
Segundo a relatora da proposta, deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), o projeto não modifica o que está previsto no Código Penal, apesar de manter o artigo que prevê que “é vedado ao Estado ou a particulares causar dano ao nascituro em razão de ato cometido por qualquer de seus genitores”.
O projeto também cria o Estatuto do Nascituro, estabelecendo os direitos e deveres que envolvem o nascituro – “ser humano concebido, mas ainda não nascido”, incluindo os seres humanos concebidos “in vitro”, mesmo antes da transferência para o útero da mulher.
O projeto, no entendimento do deputado e médico Darcisio Perondi (PMDB-RS), afeta diretamente as pesquisas com células-tronco e pode inviabilizar esse tipo de estudo científico. “Como o projeto estabelece o início da vida desde a concepção, tudo o que mexer com o nascituro é criminoso. No banco de embriões para pesquisas de células-tronco, por exemplo, alguns embriões, depois de um período, podem ser descartados. Com esse projeto, cientistas e médicos serão todos criminosos”, diz Perondi. “Onde começa a vida é um dogma que nem a ciência tem certeza de nada, agora uma lei vai decidir”, critica.
Perondi foi autor de um voto em separado, que contrapôs vários pontos do projeto. Segundo o deputado, o projeto de lei afronta, inclusive, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). Em março de 2008, o ministro Carlos Ayres Britto considerou improcedente uma Ação Direta de Inconstitucionalida de que questionava a realização de pesquisas com células-tronco embrionárias, prevista no art. 5º da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/95). O ministro sustentou a tese de que, para existir vida humana, é necessário que o embrião tenha sido implantado no útero da mãe.
A assistente técnica do Centro de Estudos Feministas de Estudo e Assessoria (Cfemea), Kauara Rodrigues, disse: “afirmar que o nascituro é uma pessoa só é possível a partir de uma determinada crença, filosofia e entendimento científico”. A assistente explica que há várias teorias sobre quando se inicia a vida e que, portanto, o projeto fere direitos e garantias fundamentais de liberdade de crença.
“Não há consenso nem entre cientistas de onde se começa a vida. O projeto fere princípios, direitos e garantias fundamentais que permitem a liberdade de crença, de pensamento e a igualdade dos sujeitos. Nós consideramos o projeto um dos grandes retrocessos para a legislação brasileira”, disse Kauara.
IBCCRIM.
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