domingo, 13 de junho de 2010

Relator do CPP promete manter regras atuais do HC



Senador Renato Casagrande (PSB-ES) - Cristina Gallo/Agência Senado
Os advogados criminalistas resumem a reforma do Código de Processo Penal da seguinte forma: restrição ao uso do Habeas Corpus. Todas as outras alterações propostas pela comissão de juristas do Senado, como mecanismos para agilizar os julgamentos e a criação da figura do juiz de garantia, ficam em segundo plano enquanto existir a ameaça de reduzir as possibilidades de se pedir um HC. Diante do descontentamento geral, o relator do projeto, senador Renato Casagrande (PSB-ES), anunciou que vai voltar atrás. Nesta terça-feira (8/6), ele (na foto) prometeu deixar tudo como está.
Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Jr. e Fábio M. de Almeida Delmanto - Lançamento do Código Penal Comentado - Delmanto - Jeferson Heroico
A revista Consultor Jurídicoconversou sobre a proposta de reforma do CPP com alguns do mais mais de 300 advogados que prestigiaram o lançamento da 8ª Edição do Código Penal Comentado da Família Delmanto, nesta segunda-feira (7/6), no Clube Harmonia, em São Paulo. (Na foto, da esqueda para a direita, Roberto Delmanto Junior, Roberto Delmanto e Fabio de Almeida Delmanto)
O Senado, que divulgou o início da votação da proposta (PLS 156/2009) para esta terça-feira, na verdade, fez a primeira das três discussões necessárias para a votação do projeto. Com pressa pela votação, Casagrande sugeriu ao presidente José Sarney (PMDB-AP) para que as duas outras sessões de debate acontecessem nesta quarta-feira (9/6) e a votação no Plenário já fosse marcada para a próxima quarta.
Sarney preferiu ir com calma. Marcou a próxima discussão para esta quarta, às 10h. E ponto. “A verdade é que começamos o trabalho”, afirmou. A proposta ainda passará pela Câmara dos Deputados.
O Habeas Corpus
D'Urso - Lançamento do Código Penal Comentado - Delmanto - Jeferson Heroico
O senador Renato Casagrande discordava das críticas feitas pela advocacia, principalmente, em relação à restrição do uso do HC. Mas para os advogados nunca houve dúvidas de que a alteraçãoproposta limitaria o seu poder de atuação.

“Esse é um instrumento democrático, garantidor do Estado de direito. É a grande trincheira de resistência do cidadão. Por isso, não podemos admitir restrições ou mudanças no seu uso. Não há porque mexer no HC”, defendeu o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D’Urso (na foto acima). O advogado também aproveitou para criticar a previsão de remessa do inquérito diretamente da Polícia para o Ministério Público, sem passar pelo exame do juiz. Apesar de dar agilidade, priva o cidadão do crivo jurisdicional, pondera.
Toron - Lançamento do Código Penal Comentado - Delmanto - Jeferson HeroicoO criminalista Alberto Zacharias Toron (na foto à direita) também foi radical: “A reforma não pode ser feita de afogadilho e, como quer que seja, o amesquinhamento do HC em plena democracia é algo que nos dá vergonha, desprotege o cidadão”. Para ele, estão apostando muito na eficiência do processo, em detrimento das garantias. “Estanho um instrumento que permite reagir com rapidez a uma truculência, representada por uma Ação Penal sem justa causa, é tolhido do cidadão. É inadmissível que o HC em pleno regime democrático tenha uma feição menos garantidora, mais mesquinha que aquela cunhada no próprio Estado Novo Getulista. Isso não pode acontecer.”
Malheiros e Podval - Lançamento do Código Penal Comentado - Delmanto - Jeferson Heroico
Roberto Podval e Arnaldo Malheiros Filho reclamaram da pressa na votação da proposta e da falta de discussão com os operadores do Direito. “Essa pressa gera inconstitucionalidades, como a limitação no uso do Habeas Corpus. Mas dá votos dizer que o sistema vai mudar, que vai tornar a Justiça mais eficiente e acabar com a impunidade”, provocou Malheiros. Limitar o uso vai contra a Constituição Federal; uma lei ordinária não pode ir contra a Constituição, ressaltaram os dois criminalistas (na foto, Roberto Podval à esquerda, e Arnaldo Malheiros Filho). O anfitrião Roberto Delmanto foi sucinto: “Estão praticamente acabando com o HC. Não é o melhor caminho”.
Duração do processo
Delmanto, especialista em Direito Penal, está mais preocupado com a agilidade que a reforma pretende dar ao processo penal e com a banalização das prisões preventivas. “Prefiro uma Justiça penal mais serena, mais lenta. Não podemos julgar sob o impacto da comoção pública, da imprensa. Temos de ir pouco a pouco”, alerta. Para ele, mais grave que a impunidade é a possibilidade de um erro judicial.

Ele defendeu a aplicação do Direito Penal só para os casos graves, de perigo para a sociedade. As prisões, da mesma forma. O advogado revela que nos últimos tempos a prisão preventiva vem sendo usada como forma de obter confissão dos acusados. “O delegado diz: se você confessar, te liberto amanhã, ou então nem peço a sua prisão”, contou.
Luiza Nagib Eluf - Lançamento do Código Penal Comentado - Delmanto - Jeferson Heroico
A procuradora de Justiça Luiza Nagib Eluf disse que o processo tem de ser rápido, sim. “A demora só favorece o bandido. O inocente quer ser logo absolvido. A demora prejudica a sociedade porque permite que bandidos fiquem impunes. Não interessa a ninguém uma Justiça lenta, principalmente a penal”, declarou.
A tentativa de dar agilidade ao processo penal também intriga o advogado Arnaldo Malheiros. Ele afirmou: “O processo precisa ser eficiente, mas não apressado”. Ele diz que não há excesso de prazo no CPP, e exemplifica dizendo que no processo penal a defesa final escrita deve ser apresentada em três dias, enquanto no processo civil, “que cuida de interesses menores que a liberdade”, o prazo é de 15 dias. Para o criminalista, do Judiciário precisa se aparelhar para dar conta do trabalho.
Questionados sobre o excesso de recursos usados pelos advogados, Roberto Podval e Malheiros afirmaram que, se eles existem, devem ser usados. “Recurso é direito, é garantia, é para ser usado. Se fizermos uma análise da quantidade de decisões que são reformuladas através de recursos, veremos que talvez o grande problema não seja recorrer”, declarou Roberto Podval. Malheiros recordou de um projeto, na década de 1970, de autoria do professor José Frederico Marques, que previa multa para o advogado que não recorresse.
Juiz de instrução
Uma das poucas alterações que Roberto Delmanto aprovou é a criação da figura do juiz de garantia. Com as mudanças, caberá ao juiz das garantias atuar na fase da investigação e ao juiz do processo a tarefa de julgar. No caso de júri, o texto permite, ao contrário do que ocorre hoje, que os jurados conversem uns com os outros, exceto durante a instrução e o debate. O voto de cada jurado, porém, continuaria sendo secreto.

Segundo o advogado, são infundadas as alegações de que o país não tem juiz suficiente para atender essa nova demanda. Isso porque o trabalho do juiz do processo será reduzido. A fase de inquérito e os pedidos de prisão temporária, por exemplo, ficarão sob a responsabilidade do juiz de garantia. “A mistura do juiz que investiga, comanda o delegado, o promotor não é boa para a Justiça.”
Direitos de réus e vítimas
O CPP tem quase 70 anos e trata das regras processuais de natureza penal. A reforma do Código (Decreto-Lei 3.689, de 1941) começou a se desenhar, no Senado, em 2008, quando uma comissão de juristas analisou o tema e apresentou um anteprojeto. A ideia é modernizar a legislação, tornando os processos penais mais ágeis e dar mais garantias para os réus e para as vítimas.

A vítima, que atualmente não conta com a atenção do Estado, passaria a ter direitos como o de o de ser comunicada da prisão ou soltura do suposto autor do crime; da conclusão do inquérito policial e do oferecimento da denúncia; e do arquivamento da investigação e da condenação ou absolvição do acusado. Além de ter amplo acesso ao desenrolar do processo e de poder manifestar-se sobre ele.
Também há no texto preocupação em preservar a privacidade da vítima, das testemunhas e do investigado, limitando a exposição dessas pessoas pelos meios de comunicação.
O projeto altera regras relacionadas às modalidades de prisão, que ficariam limitadas em três tipos: flagrante, preventiva e temporária. O uso de algemas, ou de emprego de força, só poderia se dar se indispensável: em casos de resistência ou de tentativa de fuga do preso.
[Foto do Senador Renato Casagrande: Cristina Gallo/Agência Senado]
[Demais fotografias: Jeferson Heroico]

Revista Consultor Jurídico, 8 de junho de 2010

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