Quando há um suposto dano moral em texto jornalístico publicado na internet, onde o processo deve ser aberto? No estado de quem ofendeu ou de quem se sentiu ofendido? As diferentes decisões da Justiça brasileira levaram o Supremo Tribunal Federal a reconhecer, nesta sexta-feira (2/10), a Repercussão Geral da questão. Em breve, os ministros analisarão esse impasse típico da era virtual.
No Plenário Virtual do Supremo, os ministros decidiram que o caso tem Repercussão Geral. Assim, o STF vai resolver de vez esse nó e a decisão será referência para todo o Judiciário. O ministro Cezar Peluso foi voto vencido. Clique aqui para ler o Recurso Extraordinário 601.220.
Para chegar ao Supremo, foram necessários dois anos de peregrinação do advogado Miguel Nagib na Justiça paulista. Nagib, além de advogar em Brasília, mantém um blog e foi acusado de causar dano à imagem de um dos criticados em seu site, numa ação ajuizada em Ribeirão Preto (SP). Para o advogado, os custos de se locomover para São Paulo e o tempo gasto entre idas e vindas representam um grave embaraço à liberdade de imprensa.
No Recurso Extraordinário 601.220, o advogado sustenta que os processos devem ser abertos no foro do domicílio do réu. “O direito de abrir ação continuaria garantido, mas não causaria dificuldade do acusado se defender”, explica. Miguel Nagib se vale do artigo 220 da Constituição. Diz o texto: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”.
Com esse argumento, o advogado pede ao Supremo que afaste, para os casos da internet, o artigo 100 do Código de Processo Civil, que prevê que o foro competente para o julgamento de ação de reparação de dano é o foro do domicílio da pessoa que sofreu o dano.
Para comprovar sua tese, Nagib dá um exemplo hipotético, mas possível de acontecer. “Imagine que um texto publicado na internet supostamente ofenda os advogados e que cada advogado de uma comarca diferente entre com um processo. O acusado vai ter condições e tempo de conseguir se defender em 27 lugares diferentes ao mesmo tempo?”, diz.
Ao contrário da tese apresentada pelo autor do recurso, os tribunais brasileiros têm entendido que a ação deve correr no estado do ofendido, segundo os advogados Taís Gasparian e Renato Opice Blum. Para Taís, que é advogada da Folha de S. Paulo, a ação deveria tramitar no domicílio do réu. Ela recordou do caso da enxurrada de ações contra a jornalista Elvira Lobato e a Folha. Fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus, em todo o país, entraram com 56 ações contra o jornal e a jornalista.
No texto, a repórter relatou que a Universal construiu um conglomerado empresarial e que uma das empresas da Igreja, a Unimetro, está ligada à Cableinvest, registrada no paraíso fiscal da ilha de Jersey, no canal da Mancha. “O elo aparece nos registros da empresa na Junta Comercial de São Paulo. Uma hipótese é que os dízimos dos fiéis sejam esquentados em paraísos fiscais”, informou.
Segundo Taís Gasparian, a defesa do réu nessas condições fica complicada. “Em uma semana, a Elvira tinha 12 audiências marcadas. Não foi possível comparecer em todas, já que em alguns locais demorava dois ou três dias para chegar”, conta a advogada.
Renato Opice Blum, especialista em Direito da Internet, pensa diferente. Segundo ele, além de a jurisprudência dizer que o domicílio é o da vítima, o artigo 100 do CPC prevê que o foro competente é aquele onde a pessoa tomou conhecimento da ofensa. Logo, o estado do autor da ação. Ele observa, entretanto, que existe uma regra alternativa no código em que está prevista a competência do estado do réu quando é difícil identificar onde aconteceu o dano.
O advogado Omar Kaminski observa que, mais do que nunca, as lides envolvendo a internet passaram a fazer parte do cotidiano e de realidade jurídica. Segundo ele, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu sobre o tema por mais de uma vez, no sentido da aplicação do artigo 100, V, a do CPC, estabelecendo que lugar do fato é a localidade em que moram e trabalham as pessoas prejudicadas, pois é na comunidade onde vivem que o dano terá maior repercussão para o autor da ação e suas famílias. Ainda que a ré seja pessoa jurídica com sede em outra localidade. “Parece-me razoável e lúcido tal entendimento, inclusive no sentido de favorecer os prejudicados na propositura da ação, que assim terão menores ônus”, concluiu.
Caso concreto
No caso a ser analisado pelo Supremo, Nagib é processado por publicar em seu site um artigo escrito por outra pessoa. O advogado mantém o site Escola Sem Partido, dedicado a combater as escolas que ensinam conteúdo com fins político-ideológicos. Em 2007, foi publicado por uma leitora um artigo sobre supostos desvios ideológicos de livros da escola COC, em Ribeirão Preto (SP). Ao colégio, foi dado espaço para rebater as críticas e o COC exerceu o direito de resposta. Mesmo assim, entrou com processo por danos morais em Ribeirão Preto, a 750 quilômetros de distância de Brasília, onde Nagib trabalha.
No caso a ser analisado pelo Supremo, Nagib é processado por publicar em seu site um artigo escrito por outra pessoa. O advogado mantém o site Escola Sem Partido, dedicado a combater as escolas que ensinam conteúdo com fins político-ideológicos. Em 2007, foi publicado por uma leitora um artigo sobre supostos desvios ideológicos de livros da escola COC, em Ribeirão Preto (SP). Ao colégio, foi dado espaço para rebater as críticas e o COC exerceu o direito de resposta. Mesmo assim, entrou com processo por danos morais em Ribeirão Preto, a 750 quilômetros de distância de Brasília, onde Nagib trabalha.
Na Justiça paulista, o mérito do caso ainda não foi analisado. Em relação à discussão sobre onde o processo deve ser aberto, Nagib perdeu e por isso entrou com recurso no Supremo. No RE, o advogado cita como exemplo do “embaraço à liberdade de imprensa” o ocorrido com um outro blogueiro, simpatizante da causa.
Segundo Nagib, um colega do Rio Grande do Sul resolveu tirar de seu site a mesma crítica feita ao COC, temendo ter de gastar dinheiro com um processo em São Paulo. “Esse é um caso concreto de ofensa à liberdade de imprensa. A pessoa teve de deixar de se manifestar com receio de perder tempo e dinheiro por causa da abertura de um processo no estado de quem entrou com a ação”, diz Nagib.
RE 601.220Revista Consultor Jurídico, 2 de outubro de 2009
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