Submeter acusado ao exame biométrico não significa obrigá-lo a se autoincriminar. O entendimento é da maioria dos desembargadores da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que negou Habeas Corpus para um acusado de associação ao tráfico de drogas e porte ilegal de arma de uso restrito.
A defesa do acusado tentava impedir que o réu fosse submetido ao exame de identificação biométrica e perícia videográfica. Segundo a defesa, a determinação imposta pelo juízo da 36ª Vara Criminal do Rio de Janeiro implicava constrangimento ilegal e violava o Pacto de São José da Costa Rica, que estabelece que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo. A defesa pediu para que o acusado não fosse fotografado nem que fossem tiradas as suas medidas. O MP pediu o exame para comprovar que o acusado é um dos que foram filmados e fotografados pela Polícia Civil na comunidade de Vigário Geral, na cidade do Rio de Janeiro, com armas em apoio ao tráfico.
“A realização desse tipo de exame, decorrente do confronto pericial entre a imagem de um suposto agente criminoso com aquela retratada numa película e capturada num local de crime, é matéria relativamente nova e que tende a se proliferar diante do avanço tecnológico e aparelhamento das polícias”, constatou o desembargador Cairo Ítalo França, em seu voto.
O desembargador entendeu que, embora não haja legislação específica sobre o assunto, é possível adaptar tal tipo de prova às leis que já existem. Para ele, a captação das imagens é válida. “Vivemos, com todas as vênias, numa espécie de reality show, sendo raros os momentos em que não estamos sendo filmados, retratados e observados por diversas câmeras espalhadas nas ruas, lojas e prédios públicos, mas, nem por isso, podemos alegar a violação à nossa imagem”, disse. Para ele, há ofensa quando se faz o uso indevido dessas imagens captadas.
Cairo Ítalo afirmou que, apesar de o ônus da prova não ser do acusado, ele é o maior interessado ao se submeter ao exame biométrico, que é mais preciso na identificação. Assim, se for inocente, pode se livrar da acusação. O desembargador foi acompanhado pela desembargadora Rosa Helena Guita.
Já o desembargador Geraldo Prado entendeu diferente. Para ele, a produção da prova é válida. O que desrespeita o direito fundamental do acusado à imagem é obrigá-lo a se submeter a tal exame. “Se o acusado, no exercício daquela liberdade de escolha, optou por não fornecer dados de sua imagem, ele não pode ser obrigado a assumir esse comportamento — por meio da condução coercitiva, por exemplo —, sob pena de efetiva violação ao direito de não colaborar com a condenação e de não ajudar o Ministério Público a se desincumbir do ônus da prova”, escreveu em seu voto.
Geraldo Prado entende que as autoridades públicas podem obter os dados que precisam para a elaboração do laudo de comparação biométrica. “O processo é público e, por isso, nada impede que, em audiência, por exemplo, a imagem lhe seja extraída por meio de fotografia, desde que, para tanto, ele não seja compelido a fornecê-la”, disse.
Embora reconheça que, na prática, a concessão da ordem não teria muito efeito, já que não impediria que as autoridades adquirissem tais dados para o exame sem que acusado se submeta a ele, o desembargador fundamentou seu voto na garantia dos direitos fundamentais. “A falta de razoabilidade da tese defensiva não se confunde com tutela dos direitos fundamentais, que devem ser respeitados em sua integralidade, mesmo que, em determinadas ocasiões, não seja possível evitar de outras formas o resultado indesejado pelo acusado possa ser obtido.”
Processo 2009.059.5.388
Clique aqui para ler o acórdão e aqui para ler o voto vencido.
Revista Consultor Jurídico, 3 de outubro de 2009
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