As taxas de criminalidade e de detenções baixaram. Mudou o governo, e chegou a crise financeira. Apesar disso, um fator tem resistido à mudança nos Estados Unidos: os índices de reincidência entre adolescentes e jovens adultos. De acordo com estudos, 75% a 85% dos jovens infratores são presos durante os primeiros três anos após terem saído da prisão.
Assim, quando o governo da Califórnia anunciou recentemente uma política que encorajava alternativas à detenção, entre elas, a transferência dos jovens infratores dos grandes estabelecimentos prisionais estaduais para instituições locais, parecia que a mudança finalmente aconteceria, passando da teoria à prática na Justiça Juvenil dos Estados Unidos.
De acordo com Yumari Martínez, diretor Associado do Instituto Vera de Justiça, a mudança anunciada para os infratores juvenis na Califórnia é parte de uma realidade que atravessa os Estados Unidos.
"Se compararmos com as últimas duas décadas podemos ver que há coisas similares acontecendo ao longo do país. Quando a justiça criminal começou a ser aplicada aos jovens, era baseada em grande parte na reabilitação, uma oportunidade de corrigir os comportamentos. Nos anos 80 e 90 o sistema judicial juvenil passou a adotar uma postura mais punitiva, com o surgimento da idéia de um super-predador", analisa.
Desenvolvimento do cérebro é concluído aos 20
Yumari Martínez fez parte de uma força-tarefa de Nova York para transformar a Justiça Juvenil através da elaboração de um relatório que se espera estar concluído no final de novembro. Segundo adianta Martínez, parte das mudanças nas políticas considera os jovens delinqüentes como potenciais sujeitos para experimentar modificações de comportamento.
“Durante a última década, e em especial nos últimos cinco anos, tem havido uma mudança, um sentimento geral que há mais conhecimento disponível”, disse Martínez, realçando o progresso na pesquisa do desenvolvimento do cérebro, em especial nos jovens, e como isso afeta a sua capacidade de apreciação das consequências das ações e o seu comportamento.
“No nosso sistema criminal, como na maioria dos sistemas legais, existem duas dimensões no crime: uma sobre se realmente alguém cometeu um crime, e por outro lado a culpabilidade mental, a intenção de se cometer um crime. O fato é que a culpabilidade não pode ser atribuída simplesmente dos sete anos de idade em diante, uma vez que o cérebro só completa o seu desenvolvimento bastante tempo após a adolescência, aos 20”.
Exposição ao cárcere aumenta o crime
Esta mudança na direção das políticas judiciais juvenis tem também resultado numa mudança radical no número de jovens infratores em estabelecimentos prisionais. Dos 12 mil jovens detidos em prisões estatais na Califórnia há três anos, restam apenas dois mil.
“O Estado da Califórnia tem 58 condados, sendo que cada condado tem o seu próprio sistema judicial juvenil. Desta forma, varia a maneira como os jovens são tratados localmente”, disse o chefe do Gabinete de Liberdade Condicional do Condado de Santa Cruz, Scott MacDonald, apontando que houve uma redução de 65% no número de jovens vivendo e dormindo nas prisões locais.
Apesar de haver presídios específicos para jovens, a nova política para a reincidência no estado norte-americano é não enfatizar a detenção, removendo os jovens das prisões. Em vez disso, os jovens são encaminhados para atividades monitoradas que exigem a sua participação e abrem as portas para a integração das suas vidas nas comunidades. E, seguindo a mesma lógica, as autoridades são pressionadas a prestar auxílio àqueles que tornam a sua integração nas comunidades de origem possível: famílias e comunidades.
“Abusa-se da prisão. Existe uma tendência que vê na detenção uma boa maneira para reduzir o crime”, diz MacDonald. Ele aponta que na Califórnia, cerca de 100 jurisdições assinaram a iniciativa de Alternativas para a Detenção Juvenil da autoria de Annie E. Casey Foundation.
Fora das prisões e menos dispendiosos
Os centros de detenção são caros por natureza. A construção, a gestão e sua manutenção, encarecendo os custos de manter os indivíduos presos. No caso da justiça juvenil, também tornou-se uma convenção comparar prisões a "portas giratórias". Os jovens recém-libertados voltam a envolver-se com o sistema de justiça.
“Com o atual interesse em valorizar o controle financeiro, estes serviços custam menos em média do que a detenção em instituições. Reduzindo o número de instituições, consegue-se poupar dinheiro. Por outro lado, os serviços também são muito exigentes, e isso atenua as preocupações do público”, disse Martínez.
“De 75% a 85% dos jovens reincidem nos primeiros três anos após a libertação. Nenhum sistema prisional recolhe estes dados de forma ideal ou sistemática, mas os números têm se mantido estáveis. Essa taxa cai para 50% quando se analisa quais dos reincidentes são efetivamente re-incarcerados, para cerca de 50%. Mesmo assim, ainda é bastante alta o que nos dá a sensação que não estamos tendo sucesso nas nossas ações", afirmou Martínez.
A detenção como uma "porta giratória" é um conceito especialmente preocupante no caso dos jovens infratores, porque as suas penas tendem a ser mais curtas do que para os adultos. Se os problemas não são resolvidos, eles continuarão a reincidir.
Os programas inovadores para esse público, tanto antes como após a sentença, envolvem o monitoramento sob tutela, atividades que incluam esportes, capacitação profissional, reintegração na escola, apoio psicológico e outros serviços. “Um conjunto de instrumentos está sendo desenvolvido em duas frentes para manter os jovens fora das prisões e enquanto eles estão presos”, explica Martínez.
Ele citou os programas desenvolvidos no Missouri como exemplo. O estado adotou um modelo de detenção com centros de correção que parecem dormitórios ao invés de prisões e onde os jovens se vestem com roupas comuns e não uniformes.
Outra preocupação é tentar manter estes jovens próximos das suas casas. Em vez de ter jovens condenados numa jurisdição e deslocados para centros de detenção a quatro ou cinco horas de viagem, o que provoca uma situação traumática de regresso às suas comunidades, estas novas políticas defendem a preservação dos laços comunitários. Isto significa muitas vezes oferecer às famílias dos jovens acesso a serviços de apoio.
Estas novas ferramentas estão sendo consideradas também para os criminosos adultos. “Quando pensamos em jovens infratores, pensamos em adolescentes, mas estamos tentando levar estas iniciativas também aos adultos. Estamos procurando alternativas para os mandados de prisão, por exemplo, para indivíduos em liberdade condicional que não se apresentam às autoridades. Nestas situações o uso de monitoramento eletrônico pode ser útil”, disse MacDonald.
Gangues sob uma nova perspectiva
Existem duas variáveis relacionadas com a natureza do delito que irão determinar se um jovem infrator é elegível para as alternativas à detenção: o risco de reinicidência e o risco de fuga. “No passado nós pedíamos aos jovens para não se associarem a gangues mas eles acabavam sendo presos juntamente com os membros das gangues”, disse MacDonald. "Agora, estamos tentando desenhar programas de intervenção que sejam positivos, menos apoiados na proibição. Temos programas bem sucedidos voltados para esportes e trabalho, na continuidade dos estudos... tentamos trabalhar próximo aos jovens e dar-lhes a atenção que necessitam”, afirma.
Além do programa de futebol AZTECA, desenvolvido em Santa Cruz, e que recebeu prêmios, MacDonald destacou o trabalho dos Wrap Around Services, também na mesma região. O programa faz parcerias entre os agentes de liberdade condicional, profissionais de saúde mental e as famílias dos infratores. “Nós perguntamos às famílias quais são as suas preocupações e depois tentamos incluí-las no sistema de serviços de custódia, garantindo que estas famílias possam ajudar a preservar os laços que unem estes jovens à comunidade", explica MacDonald.
Parte da nova política de procedimentos é usar avaliações dos programas em curso para produzir resultados e assim desenhar programas baseados em relatórios e estudos prioritários, garantindo que sejam eficazes e bem geridos. O conceito passou a ser chamado de PBE, Práticas Baseadas na Evidência.
“Nós necessitamos fazer mais do que smplesmente prender. Temos que dar oportunidades e medir o impacto dos nossos programas com maior rigor, não podemos deixar o medo e o espetáculo midiático se sobreporem à nova política. Nós precisamos ter certeza que a nova política é guiada por dados concretos e não pelo espetáculo”, resumiu MacDonald.
“A ênfase na avaliação dos programas em termos de Práticas Baseadas na Evidência é saudável, mas, como acontece com outros casos, deve haver uma avaliação crítica. Existem dois riscos que corremos: um é recorrer a modelos importados que não foram desenhados para as realidades locais, e o outro é dar um passo em falso, que possa colocar todo o programa em perigo”, alerta Martínez.
Tradução: Inês Subtil
Foto de capa: Gina Smith, for Photoexpress
Fonte: Comunidade Segura. 19/10/2009
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