Nos últimos 30 anos, vimos proliferar no país uma grande quantidade de cursos jurídicos. Os resultados dessa propagação de escolas de ensino jurídico são facilmente detectáveis. Um dado inconteste: está próximo de 80% o índice de reprovados nos exames da Ordem dos Advogados do Brasil, obrigatório, por lei, para que o bacharel possa exercer o ofício.
A primeira constatação é a de que, nunca como antes, o exame da Ordem tornou-se crucial para assegurar mínima qualificação para o exercício da operação do Direito. Não fosse o exame, teríamos cerca de 4,5 milhões de advogados atuando no país e, pelo que os números sugerem, a maioria absolutamente despreparada para o exercício dessa nobre missão.
A situação tem causas profundas. Na sua origem está a crise do ensino no Brasil, constatável em todos os níveis desde o fundamental. Esta distorção impõe um alto preço: o aluno chega às portas do ensino superior sem formação adequada. E o vestibular passou a ser mera formalidade burocrática, muitas vezes cumprida para justificar interesse puramente mercantil.
Há exceções, é claro. Mas, com a multiplicação desenfreada das faculdades de Direito, esse cenário tomou proporções catastróficas. Sob o império da concorrência, muitas instituições equivocadamente optaram por sacrificar padrões mínimos de qualidade, reduzindo custos por meio da leniência na contratação de docentes e diminuição de mensalidades — uma tentativa desastrosa de atrair e manter o maior número possível de alunos.
A deletéria concepção de que o ensino de Direito é um negócio como qualquer outro atingiu o paroxismo quando se chegou ao despautério de propugnar pela redução do curso de cinco anos para quatro anos. O desatino só não prevaleceu porque encontrou a resistência da sociedade civil — acatada pelo Judiciário — que entende como legítimo direito a exigência de um ensino jurídico de qualidade, garantia para que a democracia se sustente como tal.
Felizmente, venceu o bom senso e a compreensão de que não há Estado de Direito sem que os profissionais da Justiça estejam devidamente qualificados. Mas décadas de equívocos na regulamentação e administração do ensino jurídico deixaram profundas cicatrizes que não se removem cosmeticamente. As medidas de correção terão de ser bem planejadas para obter efeitos no médio e longo prazo. Em primeiro lugar, é preciso enfrentar o desafio que é priorizar a educação nos níveis fundamental e intermediário, assegurando uma formação básica de qualidade ao estudante que pretende seguir carreiras tão essenciais para a cidadania, como é a do Direito.
Outro passo inadiável é atuar na melhoria do ensino jurídico, com medidas arrojadas e de aplicação imediata. Por exemplo, ao contrário do evidente equívoco de se reduzir as durações dos cursos, é necessário ampliar gradativamente suas extensões, de forma a contemplar o vasto universo do Direito contemporâneo.
Recentemente, o Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil aprovou moção recomendando a extensão dos cursos jurídicos. A sociedade contemporânea experimentou evolução e sofisticação inegáveis. O Direito, como não poderia deixar de ser, acompanha essa tendência, ampliando áreas que, anteriormente, tinham relevância reduzida. São os casos dos Direitos Empresarial, Ambiental e do Consumidor, dentre vários outros.
Ora, com a duração atual dos cursos e suas grades curriculares, as faculdades de ensino jurídico mal conseguem contemplar de forma satisfatória disciplinas tradicionais, como o Direito Civil, reconhecidamente básicas e fundamentais para todas as demais áreas do conhecimento jurídico e, como consequência, da prática eficaz deste saber por parte de advogados, magistrados e representantes do Ministério Público.
A questão da melhoria de qualidade e atualização do ensino do Direito no Brasil apresenta facetas múltiplas, como a necessidade do aprimoramento dos professores, e complexas, que devem ser examinadas em fóruns qualificados, com a participação ativa de todos os interessados — advogados, juízes, promotores, instituições de ensino, docentes, estudantes, entidades públicas e representantes da sociedade civil. Afinal, exigir ensino jurídico de qualidade é um direito de toda a sociedade brasileira em sua trajetória rumo à democracia.
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