Para tentar coibir a expansão das milícias no Rio de Janeiro, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar por votação simbólica um projeto que altera dispositivos do Código Penal que tratam de delitos coletivos, tipificando como crime a formação de grupos de extermínio e os atos de violência por eles cometidos. A proposta, que tramitou em regime de urgência e foi votada em tempo recorde pela Comissão de Segurança e pelo plenário, prevê pena de quatro a oito anos de reclusão, que pode ser aumentada de um terço à metade caso o crime tenha sido cometido "sob pretexto de oferecer serviços de segurança".
O texto, que será enviado ao Senado, é a fusão de dois projetos, um apresentado pelo deputado Luiz Couto (PT-PB), que presidiu a CPI dos Grupos de Extermínio, e outro de autoria do deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Comissão de Segurança. Ao justificar a iniciativa, eles alegaram que os assassinatos cometidos por milícias e quadrilhas do narcotráfico afrontam a autoridade do poder constituído, o Estado de Direito e a própria democracia.
"Em algumas regiões do Rio de Janeiro, há situações de exceção, em que eleitores não podem escolher seus candidatos e são reféns da milícia e do tráfico", diz Jungmann. "Hoje há uma matança de jovens. São pessoas que pertencem ao narcotráfico e, quando querem sair, são exterminadas, ou porque sabem demais ou por decidirem romper com aquele grupo e ter vida própria", acrescenta Couto.
O projeto aprovado classifica como crime a criação, a organização e o financiamento de "organização paramilitar, grupo ou esquadrão". Também estabelece que a oferta de serviços de segurança sem autorização legal é crime passível de pena de detenção de um a dois anos. A medida mais importante classifica esses dois delitos como "crime federal", por serem "ofensa de interesse da União". Com isso eles não podem ser investigados pela Polícia Civil, denunciados pelo Ministério Público Estadual e julgados pela Justiça comum, passando a ser de competência exclusiva da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da Justiça Federal.
Na realidade, esse é mais um exemplo do que os juristas chamam de "legislação penal de emergência", ou seja, inovações legais concebidas açodadamente para aplacar a comoção popular e "mostrar serviço" à sociedade. Votadas às pressas, essas inovações muitas vezes se justapõem a medidas já previstas no Código Penal ou em leis especiais. Como conseqüência, ficam comprometidas a unidade doutrinária e a racionalidade lógico-formal do sistema jurídico, o que dificulta a aplicação da lei por parte dos juízes criminais.
Além disso, ao aumentar o rigor das punições aplicáveis a determinados delitos, inovações legais votadas às pressas acabam desequilibrando o sistema de penas da legislação criminal. Por fim, elas também criam problemas de competência entre os órgãos policiais, gerando zonas cinzentas entre as diferentes instâncias encarregadas de zelar pela segurança pública e disputas entre corporações policiais.
Em outras palavras, na maioria das vezes a "legislação de emergência" é desnecessária, dificultando, em vez de facilitar, o combate à violência criminal. A tipificação do crime de formação de milícias, grupos de extermínio, esquadrões da morte e "polícias mineiras" já está no Código Penal de 1940, no dispositivo que trata do delito de formação de bando, gangue ou quadrilha. O artigo 288 prevê expressamente que, quando mais de três pessoas se associarem para cometer crimes, elas serão condenadas a pena de reclusão de 1 a 3 anos. Se agirem armadas, a pena é de três a seis anos, sendo a ela acrescida a punição prevista para outros delitos cometidos - no caso de homicídio simples, por exemplo, de 6 a 20 anos de cadeia.
A proliferação de milícias e grupos de extermínios nada tem a ver com falhas e omissões da legislação penal. O problema decorre basicamente da inépcia dos encarregados da segurança pública e da falta de rigor da Justiça. Dificilmente medidas aprovadas a toque de caixa pelo Congresso, tipificando crimes já previstos pelo Código Penal, surtirão efeitos práticos.
Estadão.
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