É fato notório, amplamente veiculado através da mídia escrita e falada, a situação caótica em que se encontra o poder judiciário do país como um todo. O assoberbamento de demandadas judiciais, somado à carência de servidores e magistrados traduz-se, na prática, em pilhas e pilhas de processos que se acumulam nos corredores das secretarias e, pasmem, até nos banheiros e demais dependências não apropriadas para tal. Exemplo disso foi matéria veiculada no Jornal Nacional falando a respeito, citando, inclusive, a capital Salvador, que possui 40 juizados especiais espalhados pela cidade.
No âmbito dos juizados especiais cíveis, não obstante a demora da prestação jurisdicional, tal demora reflete apenas em transtorno de natureza patrimonial para os lesionados nas causas de “pequeno valor”. Entretanto, no âmbito criminal a situação é um pouco mais séria.
Veja-se que a inscrição indevida nos cadastros de inadimplentes feita por uma loja ou instituição financeira, por exemplo, ou mesmo a urgência na cobertura de um determinado procedimento cirúrgico a um paciente em estado de saúde grave, são situações que podem ser sanadas imediatamente, com simples pedido de tutela antecipada, que rapidamente é concedido pelo magistrado, mesmo que o processo demore anos e anos para ser julgado.
Todavia, apesar desse remédio jurídico no âmbito cível, a mesma sorte não ampara os lesados que figuram como vítima de crimes de “menor potencial ofensivo” (aqueles cuja pena máxima não exceda a dois anos), crimes esses objeto de conhecimento dos juizados especiais criminais. E por quê?
O artigo 107, do Código Penal, enumera 13 causas de extinção da punibilidade do réu, sendo elas: morte do agente, anistia, graça, indulto, abolitio criminis, prescrição, decadência, perempção, renúncia, perdão do ofendido, retratação, casamento com a vítima ou terceiros nos casos definidos neste artigo, perdão judicial. Dentre essas, o instituto jurídico chamado de prescrição (inércia do exercício da ação), com seus desdobramentos, apresenta uma subespécie chamada de prescrição retroativa, inserido no Código Penal em 1984, onde o tempo de prescrição, determinado pela pena imposta, vale para o lapso de tempo que ocorreu entre o crime e a condenação.
Melhor explicando, se no período compreendido entre o recebimento da denúncia e o efetivo julgamento pelo juiz houver ultrapassado um período que seja superior ao período calculado conforme algumas regrinhas estabelecidas pelo Código Penal, significa dizer que se tornou extinta a punibilidade do acusado. Numa linguagem ainda mais clara e direta, se estabeleceu a impunidade do réu.
É isso mesmo. O sujeito calunia, injuria, difama, lesiona, agride, etc, é processado pela vítima, denunciado pelo Ministério Público, condenado pelo juiz, mas não é punido pelo estado.
A bem da verdade, existe o bem intencionado Projeto de Lei 1.383/03, de autoria do carioca e ex-deputado petista Antônio Carlos Biscaia, que pretende acabar com a retroatividade da prescrição. A idéia é que a prescrição passaria a contar a partir do trânsito em julgado da condenação.
Mas, ainda assim, não resolveria a questão dos juizados especiais criminais. Isto, porque o projeto ressalva que, antes do trânsito em julgado da condenação, ou seja, quando ainda são cabidos recursos, valeria o tempo previsto caso fosse aplicada a pena máxima.
Vamos entender, peguemos como exemplo o crime de calúnia, no qual alguém, falsamente, imputa a outrem o cometimento de um ato definido como crime. O Código Penal, em seu artigo 138, comina pena máxima de dois anos de detenção e multa. Ora, sendo crime considerado de menor potencial ofensivo, recebida a denúncia pelo juizado especial criminal competente, demorando-se o magistrado por dois anos e um dia na prolação da sentença condenatória, a punibilidade estaria extinta.
E assim já acontece atualmente, mesmo sem ainda vigorarem as regras que o projeto de lei retromencionado sugere.
Trocando em miúdos, a falta de aparelhamento do Poder Judiciário, mormente nos juizados especiais criminais, ausentando-se as condições mínimas para que um processo criminal seja julgado a contento, mesmo que resulte numa condenação, cominando-se pena ao réu, nenhum efeito prático se traz à justiça, simplesmente porque não é feita a justiça. Pelo contrário, contribui o Estado, sem mesmo querer, para que se prevaleça a impunidade, servindo de estímulo à prática de pequenos delitos a quem merece um freio, uma reprimenda, um corretivo, e não o tem.
Por Expedito Dantas da Costa Júnior: é advogado.
Revista Consultor Jurídico, 28 de agosto de 2008
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