A doutrina, com apoio no entendimento de Hanz Welzel , indica a existência de tipos fechados e de tipos abertos na legislação penal. Os primeiros apresentam descrição completa do modelo de conduta proibida, bastando ao intérprete, na adequação do dispositivo legal ao comportamento humano, verificar a simples correspondência entre ambos. Já os abertos, em razão da ausência de descrição ou de descrição incompleta, transferem ao intérprete a tarefa de tipificar cada conduta, valendo-se, para tanto, de elementos não integrantes do tipo.
Assim, por exemplo, enquanto a ação dolosa é integralmente descrita no homicídio e na lesão corporal, as modalidades culposas estão apenas previstas como homicídio culposo e lesão corporal culposa (v. Código Penal, arts. 121 e 129, caput; e 121, § 3º e 129, § 6º).
Os tipos culposos, para o criador da Teoria Finalista da Ação, são sempre abertos, pois precisam ser completados pela norma geral que impõe a observância do dever de cuidado (cf. "Culpa e delitos de circulação", artigo publicado na Revista de Direito Penal , Rio de Janeiro, 1971, vol. 3, pg. 23).
Segundo Welzel , "enquanto que, para outros fatos delituosos, suficientemente definidos ou fechados, a realização do fato previsto em lei implica no caráter antijurídico dessa realização, de forma que basta ao juiz comprovar a realização do fato previsto em lei para concluir por sua ilegitimidade, deve o juiz, diante das definições abertas dos crimes culposos, assumir parte do papel do legislador, vale dizer, deve determinar a própria ação delituosa, relegada `a imprecisão pela definição legal".
A observação do grande penalista induziu nossos juristas a afirmar que os tipos dolosos são fechados, enquanto os tipos culposos são abertos (Heleno Cláudio Fragoso , na atualização dos "Comentários ao Código Penal" de Nélson Hungria - Forense, 5ª ed., 1978, vol. I, Tomo II, pg. 553 - assinala que "determina-se, portanto, a tipicidade dos crimes culposos com a transgressão das normas que fixam, nas circunstâncias do fato concreto, o dever de cuidado, atenção ou diligência, para evitar danos a bens ou interesses jurídicos de tercerios. O tipo dos crimes culposos é aberto, ou seja, nele não se apresenta, por completo , a descrição da conduta típica, que deve ser determinada pelo juiz".
Para Damásio E. de Jesus , "ao contrário do que ocorre em relação aos tipos dolosos, em que é suficiente o processo de adequação típica para ser resolvido o problema da tipicidade do fato, nos crimes culposos o tipo é aberto (...) o juiz, então, tem de estabelecer um critério para considerar típica a conduta" - cf. "Direito Penal, Saraiva, 19ª ed., 1º Vol., 1995, pgs. 253 e 254. No mesmo sentido, Júlio Fabbrini Mirabete - "Manual de Direito Penal", Atlas, 8ª ed., 1994, pg. 142).
Uma atenta pesquisa na legislação brasileira, entretanto, permite concluir que nem todos os tipos culposos são abertos.
Na receptação culposa (art. 180, § 1º), o legislador afastou-se da fórmula genérica ao incluir no tipo o comportamento considerado descuidado: "Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso. "Este tipo culposo está completo, com a descrição integral da conduta, não podendo o intérprete considerar típico o comportamento que não se ajuste a uma das hipóteses previstas, inobstante configurada a culpa.
Não é a única exceção. Na lei de Tóxicos pode ser constatada a existência de um tipo culposo contendo a descrição da conduta: "Prescrever ou ministrar, culposamente, o médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, em dose evidentemente maior que a necessária ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar" (art. 15 da Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976).
O tipo aberto não indicaria as duas formas possíveis de cometimento da infração: prescrever ou ministrar a substância em dose evidentemente maior que a necessária; ou regulamentar (em nosso livro de "Tóxicos", Jalovi, 2ª ed., 1982, pgs. 70 e 71, apresentamos um comentário mais extenso a respeito deste tipo culposo).
Por outro lado, nem todos os tipos dolosos são fechados. A fórmula descritiva, comum nessas modalidades de infrações penais, não foi utilizada em vários tipos do Código Penal e da legislação especial. Ao incriminar o adultério, por exemplo (art. 240), o legislador não descreveu o comportamento típico, limitando-se a prever: "Cometer adultério".
Em cada ação penal o juiz deverá completar o tipo, definindo o adultério de acordo com o seu entendimento. Dois são os conceitos de adultério na jurisprudência, segundo anotam Celso e Roberto Delmanto : 1º - É a conjunção carnal extraconjugal; 2º - Basta o encontro do casal em lugar e situação que autorizem supor, necessariamente, a prática do delito. Cf. "Código Penal", Renovar, 3ª ed., 1991, pg. 384.
O mesmo ocorre nos tipos dos artigos 124 a 127 ("provocar aborto"); 137 ("participar de rixa") ; 233 ("praticar ato obsceno"), etc. Em todos eles, o intérprete deverá fechar o tipo, ao indicar o seu entendimento a respeito de aborto, rixa e de ato obsceno.
A existência de tipos aberto dolosos já foi registrada por Damásio E. de Jesus ao indicar que são casos de crimes de tipo aberto: a - os delitos culposos; b - os crimes omissivos impróprios; c - delitos cuja descrição apresenta elementos normativos (ob. cit., pg. 194).
Conclui-se, portanto, que os tipos penais podem ser classificados em abertos e fechados, como propôs Welzel . Mas a afirmação de que todos os tipos dolosos são fechados e todos os modelos culposos são abertos, se válida para o Direito Penal da Alemanha, não se ajusta integralmente à nossa legislação.
Sérgio de Oliveira Médici
MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Tipos penais abertos. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.30, p. 02, jun. 1995.
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