O Procurador-Geral da República, Aristides Junqueira acaba de provar que não. Acaba de provar que a expressão cunhada por Pimenta Bueno, tido como um dos maiores juristas do império, é falaciosa. Após sofrer um inédito impeachment, medida administrativa equivalente à demissão a bem do serviço público, cumulada com suspensão de direitos políticos até o ano 2000, o ex –Presidente Collor de Melo, tornou-se réu de crime de corrupção passiva, tipificado pelo artigo 317 do CP, e cuja pena varia de um a oito anos de reclusão. Como amplamente noticiado, restou absolvido pelo STF sob o manto da insuficiência de provas, por cinco votos contra três, que, vencedores, exploraram a não dedução da expressão "ato de ofício" pela denúncia. Tida pelos especialistas como inepta, ainda que recebida por força de evidente pressão política, após o ;cumprimento da fase do artigo 513 e seguintes do CPP, que, em casos semelhantes, dispensa o inquérito policial, a peça acusatória deu no que deu.
Podem os Juízes de Direito, e na expressão incluímos todos os magistrados de segunda instância, inclusive os Ministros do STF, decidir o destino do réu com base exclusiva em fatos constantes dos autos, ou podem investigar, como fazem as autoridades policiais, superada a fase pré-processual da persecução penal, expressão cunhada pelo saudoso J. Frederico Marques?
Ao Juiz, efectivamente, como se autoridade policial fosse, cumpre investigar antes de decidir-se pela culpa ou pela inocência do réu, muito embora nossa prática judiciário-penal seja passiva. Muito embora possam os magistrados criminais agir por iniciativa própria, evitam esse tipo de atitude, julgando de acordo com os autos simplesmente.
Não é demasiado lembrar que o artigo 156 do CPP adverte que "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá no curso da instrução ou antes de proferir a sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvidas sobre ponto relevante". Sob tal enfoque, no processo penal brasileiro o juiz deve amoldar-se aos ditames do princípio da verdade real, ou material, podendo agir por iniciativa própria na busca da verdade.
O princípio da verdade real, como cediço, é um dos postulados mais importantes do processo penal. Verdade real, em linhas mais simples, é aquilo que aconteceu, realmente. Consequentemente, diante desse princípio, o Juiz profere seu veredito decidindo qual a verdade jurídica através da sentença. Nesse contexto, quando o Poder Judiciário ajusta a verdade real à verdade jurídica, absolve por insuficiência de provas, geralmente.
O Juiz brasileiro pode buscar a verdade real, independentemente das evidência apresentadas pela acusação ou pela defesa. Todavia, desde o instante em que, na metade do século dezenove, a Polícia foi separada da Justiça, com a implantação do inquérito policial e a criação da figura do Delegado de Polícia, o Juiz nacional vem atuando como mero árbitro, mantendo-se imparcial entre as equipes da acusação e da defesa.
Infelizmente, o processo penal brasileiro, como o português, o espanhol e o italiano, privilegia o verbo em prejuízo dos fatos, uma vez que "o que não está nos autos não está no mundo". Na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde o juiz é mais dinâmico, o julgamento do ex-Presidente seria diferente. Tanto que Nixon, no episódio Watergate, advogado que era, resolveu renunciar.
O Juiz pátrio, excessivamente corporativista, não utiliza o artigo 159 do CPP, talvez para não parecer estar tomando parte da acusação ou da defesa. E por assim pensarem é que em,1871 surgiu o instituto do inquérito policial, presidido por autoridade policial, e não mais judiciária, e injustamente rotulado por Pimenta Bueno como "uma peça meramente informativa".
O Procurador Geral da República perdeu a ação por não estar escorado em inquérito policial que, nos prazos legais, certamente definiria o questionado "ato de ofício", pois, a partir do momento em que, cento e vinte e quatro anos atrás, os juízes do Império deixaram de presidi-lo, delegando-o (daí a expressão Delegado de Polícia) às autoridades policiais, o princípio da verdade real ficou exclusivamente em nossas mãos.
E os demais co-réus só foram condenados por que admitiram suas culpas perante a CPI…
Carlos Alberto Marchi de Queiroz
QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Inquérito policial, peça meramente informativa?. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.3, n.28, p. 7, abril 1995.
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