quarta-feira, 2 de abril de 2008

A ÁFRICA ESCONDIDA

A influência histórico-cultural dos povos africanos no Brasil é notável. Marcas genuinamente africanas como o jeito de andar das mulheres, a ginga, a musicalidade, palavras como bunda, cochilo, caçula, cafuné, tanga, moleque, samba, as quais derivam da língua angolana kimbundu, enfim, e tantas outras marcas africanas são perceptíveis no quotidiano das pessoas. A África faz parte do jeito de SER e AGIR do brasileiro, embora seja ela ainda muito pouco entendida e conhecida pelos brasileiros.
A razão principal do pouco conhecimento ou ainda da distorção, em relação a assuntos referentes ao continente africano, é menos pela falta de informação e mais pela transmissão inadequada da informação, por parte dos veículos de mídia, quais sejam: filmes, jornais, revistas, livros, televisão, internet, e afins, cuja meta principal destes meios de comunicação ao invés de serem de cunho fundamentalmente pedagógico, a realidade corrobora que, muitas vezes, jornalistas, professores, e afins, em função da desatenção ou da formação deficiente, transmitem a informação de forma incoerente, fragmentada, distorcida, preconceituosa, ou sensacionalista.
Recentemente, escolas brasileiras do ensino fundamental e médio, agora como política de governo, pela lei 10.639 de 2003, estão obrigadas a ensinar história e cultura africana e afro-brasileira. Contudo, ainda são necessárias medidas como planejamento a curto, médio, e longo prazo, por parte do governo e de entidades civis, para que a lei de fato se torne eficaz. O primeiro passo, talvez seja a capacitação dos principais formadores de opinião, professores, políticos, jornalistas, etc.. Vale realçar que a referida capacitação deve ser feita por profissionais qualificados.
Apesar das recentes providências do governo e da sociedade civil, inclusive nos meios universitários, em prol da difusão da história e da cultura africana e das recentes políticas públicas de emancipação dos afro-brasileiros, ainda persistem determinadas imagens deturpadas e fantasiosas do continente africano. A título ilustrativo, serão citadas três formas de manifestações mitológicas a respeito do continente africano, a saber:
Primeiro – o mito de que a África é um lugar formado predominantemente por tribos. Embora ainda existam algumas comunidades autóctones africanas, isto é, comunidades que ainda preservam raízes “originais”, com pouca influência externa, a maioria dos povos africanos estão concentrados em locais urbanos, as pessoas não andam peladas, nem vivem nas florestas.
Segundo – o mito de que a África é um país, ou de que ela é uniforme. Na verdade a África é um continente cheio de antagonismos e complexidades formado por aproximadamente 53 países. Se de um lado, existem pontos coincidentes entre os países situados numa mesma região geográfica (Maghreb, Sahel, Chifre, Norte, Leste, Oeste, Sul, ou Saara e Subsaara), ou ainda pontos coincidentes entre os países que estiveram sob o domínio de um mesmo colonizador europeu, ou ainda grupos de países africanos que possuem a mesma língua oficial, árabe, inglês, francês, português. Por outro lado, existem pontos divergentes entre os países africanos, cada um tem sua própria história, cultura, política, economia e etc. Um ganense não é nigeriano, nem sul africano, e assim por diante.
Terceiro – o mito de que a África só tem miséria e de que sua beleza se resume nos “safaris”. É certo que, o subdesenvolvimento, a miséria dos países africanos, por razões políticas e históricas, provém de causas externas ao continente, mas também internas. Também é certo que, em termos gerais, a pobreza dos países africanos situados abaixo do Norte, são diferentes da pobreza na Ásia e na América Latina. Todavia, a África não se resume em miséria. Salienta-se que além da beleza das paisagens proporcionadas pelos “safaris” de alguns países africanos, há outras virtudes. A começar, a cultura é riquíssima, a maioria dos países africanos além das línguas herdadas dos europeus e dos asiáticos têm suas próprias línguas. Alguns valores culturais dos africanos autóctones como o sentido de família e de felicidade, são lições que o “Ocidente” deveria apreender, assim como os africanos deveriam apreender outras lições com o “Ocidente”. Em alguns países africanos há ainda diversas riquezas naturais, sobretudo minerais imprescindíveis às grandes potências.
Enfim, a África pode ser vista sob a ótica de vários aspectos. Poderia ela ser mais bem compreendida ou ensinada. Está mais do que evidente que urgem medidas eficazes capazes de desmistificar, de informar, ou de valorizar as influências positivas africanas que são infinitas. Poder-se-ia ler mais sobre a África, poder-se-ia pesquisar mais sobre a África, poder-se-ia dialogar e refletir mais sobre a África. SER brasileiro é ser um pouco africano, visite a “África Escondida”.
“Nga kika kyetu nii mwenyu w’etu” (Nossa cultura é nossa alma)!


Autor: OCTÁVIO CARLOS PESO GOIO, angolano, Mestrando em Direito Internacional, Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Metodista de Piracicaba, São Paulo – Brasil, pesquisador de assuntos africanos. E-mail: ocgoio@yahoo.com.br

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