Há pouco mais de um ano, no dia 14 de dezembro de 2012, uma Comissão Especial da Câmara de Deputados aprovava por unanimidade o parecer apresentado pela relatora do Projeto de Lei 7.672, de 2010, em Reunião Deliberativa Ordinária. Tal aprovação gerou polêmica entre juristas e leigos, incentivados pela cobertura da mídia, pois o referido projeto de lei é mais conhecido como Lei da Palmada.
Especialistas das mais variadas áreas se posicionaram contra ou a favor da iniciativa legislativa e o projeto, alheio a tantos rumores, prosseguiu seu andamento, embora não tenha tido nenhuma outra fase significativa. Recursos foram apresentados para que o tema fosse discutido em Plenário e não apenas pela Comissão Especial designada para esse fim, mas, com o afastamento deles, o projeto encontra-se atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. Não sem novos ataques, como por exemplo, a reclamação 7/2012 apresentada no último dia 5 de dezembro.
De qualquer modo, ainda que a passos lentos, o projeto de lei segue e a polêmica persiste: é necessária uma lei que proíba qualquer espécie de castigo físico na educação dos filhos? É legítimo retirar dos pais essa forma de coerção e autoridade? A lei não poderá ser aplicada injustamente igualando genitores a marginais? Não existe resposta a essas perguntas e, dependendo do contexto social ou do enfoque dado, a opinião sobre o mesmo ponto pode mudar drasticamente.
Do ponto de vista da educação, é inquestionável que o ideal é que uma criança ou um adolescente sejam criados sem qualquer abuso por parte dos responsáveis, físico ou psíquico. As consequências de um castigo normalmente transcendem o ato imediato e podem ter inúmeros reflexos na formação do caráter e da personalidade do menor. Hoje, nossa legislação já protege a criança e o adolescente reconhecendo sua situação peculiar como pessoas em desenvolvimento, através do Estatuto da Criança e do Adolescente, texto legal que o PL 7.672 visa alterar.
Todavia, o texto atual é genérico. Com a aprovação da Lei da Palmada, restaria clara a impossibilidade de uso de qualquer meio para violento físico ou psicológico para correção e educação. A Lei prevê ainda medidas a serem adotadas pelo Governo para a formação de um novo paradigma, onde os castigos físicos e tratamentos cruéis não serão aceitos, ou mesmo cogitados pelos pais, o que se efetivado será extremamente salutar.
Do ponto de vista jurídico, questiona-se a necessidade de alteração da lei já existente que, em verdade, já é muito protecionista. Um dos princípios basilares do Direito de Família é a mínima intervenção estatal, ou seja, caberia a cada família dentro de suas perspectivas e aptidões optar pelo modelo de educação a ser adotado e o referido projeto viria de encontro a esse princípio. Embora exista certa razão no argumento apresentado, o que se mostra é que a simples proibição dos castigos não é o prejudicial da referida lei, pois, como já dito, para formação de crianças e adolescentes tal medida se projeta como eficaz.
Há ainda que se lembrar de que a criação da lei para proibir castigos físicos foi acordada entre o Brasil e a Organização das Nações Unidas (ONU), em virtude da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada em 20 de novembro de 1989, pela Assembléia Geral das Nações Unidas.
O PL 7.672 procura trazer à nossa realidade uma nova aplicação do Direito, cujo principal caráter é a função social que se pretende alcançar. É um novo modelo de prestação jurisdicional, no qual é considerado mais a condição das partes envolvidas do que necessariamente a natureza jurídica dos institutos.
Infelizmente a violência no âmbito familiar, mesmo que com natureza educacional, ainda está cercada pelas marcas da impunidade. Muito é relevado em nome do direito dos pais ou responsáveis de educar. Assim, a proteção almejada justifica-se porque o castigo constitui uma das formas de violação dos direitos humanos e porque a história demonstra a necessidade de proteção, pois, apenas assim, serão pensadas novas formas mais eficazes e saudáveis para educar.
Mas a proteção do Estado tem necessariamente que vir através de leis?
O que realmente preocupa no projeto de lei é sua efetividade e a abertura de possibilidade para ingerência do Estado ou de terceiros na família. Como serão preparados os profissionais obrigados a fazer a denúncia, como aqueles da área da saúde e da educação? Como será preparado o Poder Judiciário e os Conselhos Tutelares para recepcionar tais casos? Como serão preparados os pais e responsáveis que tiveram na sua educação o uso de castigo para coibir atitudes reprovadas? Quem levará as famílias uma nova forma de educar? Quem ensinará a viver sem violência, onde diariamente somos violentados pela ausência de efetividade de proteção do Estado? Outro fator de extrema preocupação é a diversidade cultural existente em nosso país. O Governo está preparado para as inúmeras interpretações que existirão do texto legal de norte a sul? Como evitar as interpretações falhas, ou mesmo as consequências de relatos fantasiosos de crianças? Talvez essas sejam as perguntas mais preocupantes.
É preciso deixar bem claro que não bater, não castigar, não significa não educar. Existe uma diferença tênue entre punição e consequência que a maior parte da população não percebe. Alguns acreditam que a lei fará com que não se possa coibir de qualquer forma as atitudes reprováveis dos filhos.
As políticas públicas previstas na Lei também possuem uma grande relevância e precisam ser estimuladas para a efetivação, pois são fundamentais neste novo contexto legislativo. Estará o Estado disposto a arcar com esses custos? Porque, na prática, o que se vê é que a União edita leis de âmbito nacional, relegando aos Estados a sua aplicação e fiscalização, sem, no entanto, repassar verbas e meios de fazê-lo, deixando cada unidade da Federação, com suas capacidades e recursos, adequarem o proposto ao possível. Por isso, é importante salientar que uma mudança só será possível desde que sejam fornecidos os recursos necessários ao Poder Judiciário e à Polícia Judiciária para que haja efetividade do proposto pelo legislador.
Para eficácia da lei, será necessário que haja uma consciência social e até psicológica para entender as proporções da mudança que se pretende atingir. Trata-se de uma mudança não apenas pontual, mas, sim, um novo paradigma que será estabelecido para as próximas gerações.
Todavia, o que se costuma fazer no Brasil é primeiramente a edição de leis, acreditando que as mesmas terão o poder de mudar anos de história contrária e, depois, com a não efetivação do proposto, são iniciadas campanhas no afã de legitimar o apresentado pelo legislador. Talvez por essa razão é que muitas da leis aqui vigentes não têm qualquer efetividade, qualquer aplicação.
Se o objetivo é realmente a construção desse novo paradigma, por que não estão sendo feitas campanhas prévias à aprovação do texto, ensinando a população como se educar sem violência, quais as vantagens de um novo modelo de educação? Está fazendo aniversário a aprovação do texto pela Comissão Especial e, no decorrer deste ano, quem ouviu falar do assunto, salvo os diretamente ligados a ele?
Talvez o que nosso país precisa não são novas leis, mas, sim, novas políticas públicas, pois, se houvesse conscientização da população sobre as vantagens de se educar sem punir, o Estatuto da Criança e do Adolescente na forma que se encontra seria suficiente para efetivar a proteção pactuada com a ONU.
Luciana Nogueira e Silva Maciel é advogada, sócia do escritório Murilo Maciel & Rafael Maciel Advogados. Especialista em Direito de Família pelo Instituto de Pós Graduação (IPOG) e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM-GO).
Revista Consultor Jurídico, 5 de janeiro de 2013
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