segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Sem andamento, Lei da Palmada fez aniversário


Há pouco mais de um ano, no dia 14 de dezembro de 2012, uma Comissão Especial da Câmara de Deputados aprovava por unanimidade o parecer apresentado pela relatora do Projeto de Lei 7.672, de 2010, em Reunião Deliberativa Ordinária. Tal aprovação gerou polêmica entre juristas e leigos, incentivados pela cobertura da mídia, pois o referido projeto de lei é mais conhecido como Lei da Palmada.
Especialistas das mais variadas áreas se posicionaram contra ou a favor da iniciativa legislativa e o projeto, alheio a tantos rumores, prosseguiu seu andamento, embora não tenha tido nenhuma outra fase significativa. Recursos foram apresentados para que o tema fosse discutido em Plenário e não apenas pela Comissão Especial designada para esse fim, mas, com o afastamento deles, o projeto encontra-se atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. Não sem novos ataques, como por exemplo, a reclamação 7/2012 apresentada no último dia 5 de dezembro.
De qualquer modo, ainda que a passos lentos, o projeto de lei segue e a polêmica persiste: é necessária uma lei que proíba qualquer espécie de castigo físico na educação dos filhos? É legítimo retirar dos pais essa forma de coerção e autoridade? A lei não poderá ser aplicada injustamente igualando genitores a marginais? Não existe resposta a essas perguntas e, dependendo do contexto social ou do enfoque dado, a opinião sobre o mesmo ponto pode mudar drasticamente.
Do ponto de vista da educação, é inquestionável que o ideal é que uma criança ou um adolescente sejam criados sem qualquer abuso por parte dos responsáveis, físico ou psíquico. As consequências de um castigo normalmente transcendem o ato imediato e podem ter inúmeros reflexos na formação do caráter e da personalidade do menor. Hoje, nossa legislação já protege a criança e o adolescente reconhecendo sua situação peculiar como pessoas em desenvolvimento, através do Estatuto da Criança e do Adolescente, texto legal que o PL 7.672 visa alterar.
Todavia, o texto atual é genérico. Com a aprovação da Lei da Palmada, restaria clara a impossibilidade de uso de qualquer meio para violento físico ou psicológico para correção e educação. A Lei prevê ainda medidas a serem adotadas pelo Governo para a formação de um novo paradigma, onde os castigos físicos e tratamentos cruéis não serão aceitos, ou mesmo cogitados pelos pais, o que se efetivado será extremamente salutar.
Do ponto de vista jurídico, questiona-se a necessidade de alteração da lei já existente que, em verdade, já é muito protecionista. Um dos princípios basilares do Direito de Família é a mínima intervenção estatal, ou seja, caberia a cada família dentro de suas perspectivas e aptidões optar pelo modelo de educação a ser adotado e o referido projeto viria de encontro a esse princípio. Embora exista certa razão no argumento apresentado, o que se mostra é que a simples proibição dos castigos não é o prejudicial da referida lei, pois, como já dito, para formação de crianças e adolescentes tal medida se projeta como eficaz.
Há ainda que se lembrar de que a criação da lei para proibir castigos físicos foi acordada entre o Brasil e a Organização das Nações Unidas (ONU), em virtude da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada em 20 de novembro de 1989, pela Assembléia Geral das Nações Unidas.
O PL 7.672 procura trazer à nossa realidade uma nova aplicação do Direito, cujo principal caráter é a função social que se pretende alcançar. É um novo modelo de prestação jurisdicional, no qual é considerado mais a condição das partes envolvidas do que necessariamente a natureza jurídica dos institutos.
Infelizmente a violência no âmbito familiar, mesmo que com natureza educacional, ainda está cercada pelas marcas da impunidade. Muito é relevado em nome do direito dos pais ou responsáveis de educar. Assim, a proteção almejada justifica-se porque o castigo constitui uma das formas de violação dos direitos humanos e porque a história demonstra a necessidade de proteção, pois, apenas assim, serão pensadas novas formas mais eficazes e saudáveis para educar.
Mas a proteção do Estado tem necessariamente que vir através de leis?
O que realmente preocupa no projeto de lei é sua efetividade e a abertura de possibilidade para ingerência do Estado ou de terceiros na família. Como serão preparados os profissionais obrigados a fazer a denúncia, como aqueles da área da saúde e da educação? Como será preparado o Poder Judiciário e os Conselhos Tutelares para recepcionar tais casos? Como serão preparados os pais e responsáveis que tiveram na sua educação o uso de castigo para coibir atitudes reprovadas? Quem levará as famílias uma nova forma de educar? Quem ensinará a viver sem violência, onde diariamente somos violentados pela ausência de efetividade de proteção do Estado? Outro fator de extrema preocupação é a diversidade cultural existente em nosso país. O Governo está preparado para as inúmeras interpretações que existirão do texto legal de norte a sul? Como evitar as interpretações falhas, ou mesmo as consequências de relatos fantasiosos de crianças? Talvez essas sejam as perguntas mais preocupantes.
É preciso deixar bem claro que não bater, não castigar, não significa não educar. Existe uma diferença tênue entre punição e consequência que a maior parte da população não percebe. Alguns acreditam que a lei fará com que não se possa coibir de qualquer forma as atitudes reprováveis dos filhos.
As políticas públicas previstas na Lei também possuem uma grande relevância e precisam ser estimuladas para a efetivação, pois são fundamentais neste novo contexto legislativo. Estará o Estado disposto a arcar com esses custos? Porque, na prática, o que se vê é que a União edita leis de âmbito nacional, relegando aos Estados a sua aplicação e fiscalização, sem, no entanto, repassar verbas e meios de fazê-lo, deixando cada unidade da Federação, com suas capacidades e recursos, adequarem o proposto ao possível. Por isso, é importante salientar que uma mudança só será possível desde que sejam fornecidos os recursos necessários ao Poder Judiciário e à Polícia Judiciária para que haja efetividade do proposto pelo legislador.
Para eficácia da lei, será necessário que haja uma consciência social e até psicológica para entender as proporções da mudança que se pretende atingir. Trata-se de uma mudança não apenas pontual, mas, sim, um novo paradigma que será estabelecido para as próximas gerações.
Todavia, o que se costuma fazer no Brasil é primeiramente a edição de leis, acreditando que as mesmas terão o poder de mudar anos de história contrária e, depois, com a não efetivação do proposto, são iniciadas campanhas no afã de legitimar o apresentado pelo legislador. Talvez por essa razão é que muitas da leis aqui vigentes não têm qualquer efetividade, qualquer aplicação.
Se o objetivo é realmente a construção desse novo paradigma, por que não estão sendo feitas campanhas prévias à aprovação do texto, ensinando a população como se educar sem violência, quais as vantagens de um novo modelo de educação? Está fazendo aniversário a aprovação do texto pela Comissão Especial e, no decorrer deste ano, quem ouviu falar do assunto, salvo os diretamente ligados a ele?
Talvez o que nosso país precisa não são novas leis, mas, sim, novas políticas públicas, pois, se houvesse conscientização da população sobre as vantagens de se educar sem punir, o Estatuto da Criança e do Adolescente na forma que se encontra seria suficiente para efetivar a proteção pactuada com a ONU.
Luciana Nogueira e Silva Maciel é advogada, sócia do escritório Murilo Maciel & Rafael Maciel Advogados. Especialista em Direito de Família pelo Instituto de Pós Graduação (IPOG) e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM-GO).
Revista Consultor Jurídico, 5 de janeiro de 2013

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