Por Luiz Flávio Gomes.
Todas as sociedades (avançadas) acham-se estruturadas de forma hierarquizada: há os que mandam (que conduzem a vida social e econômica) e há os que são mandados (que são conduzidos). Os que mandam, com o escopo de se perpetuarem no poder, elaboram seus discursos, que podem ser democráticos ou autoritários. A base de sustentação da hegemonia do poder é o discurso. Não existe poder sem discurso, que ocupa papel relevantíssimo na construção da realidade (Foucault).
O controle penal da sociedade não foge da regra: em todos os países (não totalmente atrasado) existem um conjunto de normas legais e de agências estatais que punem os que delinquem (os que violam as leis penais). Para justificar esse poder punitivo também existem discursos: são os chamados discursos punitivos. Eles procuram legitimar o que está sendo feito para controlar a criminalidade.
Há, fundamentalmente, dois padrões discursivos sobre o controle da criminalidade: (a) discursos repressivos (punitivos), que propugnam por uma eficiente atuação das agências públicas encarregadas dessa tarefa assim como pela aprovação de várias leis penais duras, com a promessa de que tudo será resolvido por meio delas; (b) discurso da prevenção e da repressão, indo à raiz do problema (do conflito).
O primeiro só cuida dos efeitos do problema e acredita que isso seja suficiente para estabelecer a paz. O segundo segure que devemos cuidar das causas (do problema) e dos seus efeitos.
A política criminal brasileira sempre se inseriu no primeiro grupo (e justamente por isso nunca resolveu nem suavizou o problema da criminalidade, que se agrava a cada dia). Jamais o Brasil contou com uma política de inclusão de todas as pessoas no seio da sua sociedade. Aqui sempre preponderou a discriminação racial, étnica e econômica.
O Brasil, sendo um dos países mais desiguais do mundo, sempre foi separatista (classe de cima e classe de baixo), discriminatório e seletista (seleciona os que devem ser punidos ou castigados ou torturados ou mortos).
O controle social no nosso país é preponderantemente (para não dizer exclusivamente) punitivo. Daí a necessidade dos discursos punitivos (para justificar o que sempre feito nessa área), tais como (a) o da tolerância zero, (b) o do crime organizado, (c) o da polícia operativa, (d) o do direito penal do inimigo e, agora, (e) o do direito penal de guerra.
O discurso punitivo é fundamental tanto para a elaboração das leis penais (duras) como para a aplicação delas. Os discursos punitivos orientam a atuação e as expectativas da população, dos políticos, da mídia, dos legisladores, dos interpretes e aplicadores da lei (policiais, ministério público, juízes e doutrinadores) assim como dos agentes penitenciários. O povo, em geral, acredita muito nesses discursos punitivos (aí está uma das origens do populismo penal).
O legislador (atendendo os clamores públicos e midiáticos) aprova uma nova lei penal dura, diz que com ela vai resolver o problema da criminalidade e da segurança pública e o povo (normalmente) põe fé em tudo isso. No Brasil essa sempre foi a lógica da reação contra a criminalidade, que nunca diminuiu consistentemente (ao contrário, sempre aumentou).
Os poderes constituídos (como reação contra o aumento da criminalidade) comumente adotam as mesmas medidas (repressivas) e o povo, hipnotizado, frequentemente acredita nelas.
É chegado o momento de dizer chega, basta. Os jovens, sobretudo, não deveriam acreditar no irracional "produto segurança", totalmente ilusório e simbólico, que é vendido pelos atuais poderes constituídos. Todas as gerações precedentes sempre se conformaram com os discursos punitivos apresentados em cada época. O problema nunca foi resolvido (nem sequer suavizado), porque a criminalidade só aumenta. É chegado o momento de dizer que não queremos mais ser enganados. Chega de enganação no campo da prevenção e repressão da criminalidade. É tempo de solução.
Luiz Flávio Gomes é Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.
Fonte: O Estado do Paraná. Direito e Justiça. 01.10.2011. Coluna do LFG.
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