No campo da política criminal (que estuda as formas de reação contra a criminalidade) nota-se, na atualidade, uma certa convergência (punitivista exagerada), ao menos tendencial, entre as sociedades avançadas (EUA e Europa, por exemplo) e as sociedades menos avançadas (para não dizer atrasadas, como é o caso da América Latina). O tratamento VIP (Violência Institucionalizada contra o Pobre) está disseminado em todo planeta.
As sociedades avançadas vivem desde, sobretudo, a década de 1980 (quando despontam com toda força o neoliberalismo e a globalização), um momento de transição (ainda não totalmente concluído, muito provavelmente) de uma “gestão social e assistencial da pobreza” para uma “gestão punitiva por meio da polícia e das prisões” (Wacquant, 1999:157). Do Estado de Bem-Estar Social (Ebes) se passa (ou está se passando) para o modelo do Estado penal (controle e punição exacerbada dos imigrantes, dos marginalizados, dos excluídos).
Nas sociedades menos avançadas (Brasil, por exemplo) não há que se falar nesse processo de transição simplesmente porque, a rigor, nunca experimentaram, em sua dimensão integral, ao menos, o modelo do Ebes. Ou seja: a pobreza, nessas sociedades, nunca mereceu a devida atenção social e assistencial, que não se confunde com o “clientelismo” (concessão de migalhas públicas para parcela da população para que ela não morra de fome). Nessas sociedades menos avançadas o Estado sempre foi muito mais “penal” que “social” (assistencial).
Uma das muitas diferenças (que se pode sublinhar) entre os dois tipos de sociedade é a seguinte: enquanto as primeiras (sociedades avançadas) vivem desde os anos 1980 uma transição do Estado social para o Estado penal, as segundas (sociedades menos avançadas) sempre seguiram o modelo (superlativamente) repressivo de política criminal.
Uma outra diferença é a seguinte: enquanto as primeiras combatem a criminalidade vísivel das ruas (típica dos pobres, marginalizados e imigrantes) por meio da expulsão ou da prisão, as segundas adotam métodos repressivos muito mais violentos, marcados (1) pela tortura, (2) pela prisão e (3) pelo extermínio.
Os pobres e marginalizados, nos países menos avançados, sejam delinquentes ou meros suspeitos, porém desamparados, são torturáveis, prisionáveis e mortáveis (extermináveis). O risco de o pobre ser torturado, preso ou eliminado fisicamente é muito maior nos países mais atrasados.
O criminoso ou suspeito pobre e desamparado, como se vê, recebe tratamento diferenciado: não somente porque é ele que (prioritaria ou exclusivamente) superlota as cadeias de todo planeta, senão, sobretudo, porque ele é, além disso, torturável e exterminável (especialmente pelas forças repressivas do Estado).
Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). É autor do Blog do Professor Luiz Flávio Gomes.
Revista Consultor Jurídico, 27 de outubro de 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário