Foi publicada no Diário Oficial da União do dia 5 de maio de 2011 a Lei 12.403/11. Alterou dispositivos da Lei Processual Penal, relativos à prisão processual, à fiança, à liberdade provisória e demais medidas cautelares.
A referida lei modificou diversos artigos do Código de Processo Penal, revogando outros, trazendo modificações significativas no tratamento da prisão cautelar, as quais ocasionaram forte impacto no controle da criminalidade, fazendo subir, em poucos dias, assustadoramente, a quantidade de crimes que assola a população brasileira.
Isso porque, a par de todas as iniciativas legislativas e governamentais já existentes para evitar a prisão do criminoso definitivamente condenado, que nunca cumpre a sua pena na integralidade e sempre se beneficia de inúmeros benefícios legais para continuar solto ou ganhar a liberdade em curtíssimo espaço de tempo, a nova lei praticamente proibiu que uma pessoa acusada de crime aguarde presa o desfecho do processo.
Em termos de custódia processual – prisão sem pena, a prisão preventiva, é a que mais se aproxima da ideia de prisão cautelar, sendo necessários, para sua decretação, dois requisitos já bastante conhecidos: fumus delicti comissi e periculum libertatis. A fumaça do bom Direito vem consubstanciada na prova da existência do crime e nos indícios suficientes de autoria. O perigo na demora, de seu turno, demanda um dos seguintes fatores: garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e segurança na aplicação da lei penal.
Entretanto, mesmo presentes esses requisitos legais, fazendo-se necessária, até mesmo imprescindível, a custódia cautelar do acusado, a Lei nº 12.403/11 apenas permitiu a decretação da prisão preventiva em crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos.
A bem da verdade, há que se mencionar outras poucas hipóteses de decretação de prisão preventiva admitidas pela lei, como os casos de reincidência em crime doloso e crimes envolvendo violência doméstica e familiar.
Mas, e nos demais casos? E nos casos de crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade de até quatro anos, em que haja real necessidade de decretação da custódia cautelar?
Nesses casos, a lei autoriza apenas a aplicação de pífias medidas cautelares, arroladas no artigo 319 do Código de Processo Penal. São eles o comparecimento periódico em juízo (que a prática já demonstrou ser inviável, pois o acusado não a cumpre), proibição de manter contato com determinada pessoa (que o acusado também raramente cumpre, até porque inexiste qualquer tipo de fiscalização), proibição de ausentar-se da comarca – ou do país –, entre outros. Basta lembrarmos recentes casos de criminosos notórios, condenados a penas muito altas, que, a pretexto de serem inocentes até o trânsito em julgado de sentença condenatória, obtiveram o direito de permanecer em liberdade e fugiram imediatamente do país.
Seguem-se: recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga (medida risível, considerando a ausência de fiscalização e controle), monitoração eletrônica (que vem apresentando sérios problemas de fiscalização nas hipóteses em que já foi anteriormente aplicada, como nos casos de saídas temporárias de presos, que não retornaram ao sistema prisional), dentre outras. Isso sem contar que as referidas medidas cautelares alternativas à prisão podem ser aplicadas em qualquer caso, inclusive em crimes graves e hediondos, desde que o juiz entenda não ser o caso de prisão preventiva,concedendo ao acusado a liberdade provisória.
Figura, ainda, como grande novidade trazida pela nova lei a prisão domiciliar, tratada nos artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal, consistente no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.
Fica a pergunta: quem irá fiscalizar essa prisão domiciliar? Como será feita essa fiscalização? Até o momento não se tem conhecimento de nenhuma medida viável de obrigatoriedade de cumprimento dessa medida pelo acusado.
Inegavelmente, o intuito das novas disposições relativas às medidas cautelares é reduzir e, até mesmo, evitar a prisão processual, seja substituindo a prisão em flagrante por medida cautelar, seja evitando a decretação de prisão preventiva no curso da instrução.
Engana-se quem pensa, como os garantistas de ocasião, que surfam na onda do politicamente correto, que a intenção do legislador – que inegavelmente atuou de acordo com os interesses do poder público – foi instituir um sistema mais justo para evitar a antecipação da condenação, permitindo ao supostamente inocente aguardar o desfecho de seu processo em liberdade, evitando uma injustiça. A intenção do legislador, acossado pelas pretensões estatais, foi a de diminuir a pressão no sistema prisional sem gastos financeiros e investimentos, optando pela solução mais simplista e contrária ao interesse público: soltar o preso.
Sim, porque desde a entrada em vigor da referida lei antiprisão, milhares de detentos ganharam as ruas. A maioria deles retornando ou permanecendo na vida do crime e vitimando a parcela honesta da população brasileira, que não tolera mais tanto descaso do poder público com a segurança, com o sistema prisional, com a polícia, com a Justiça, e clama por um Direito Penal máximo, garantista da sociedade.
Fica, então, a pergunta que reproduz o título deste breve artigo: a quem interessa a Lei 12.403/11? Uma certeza eu tenho: à sociedade brasileira é que não é!
Ricardo Antonio Andreucci é procurador de Justiça Criminal do MP de São Paulo, doutor e mestre em Direito e coordenador pedagógico do Complexo de Ensino Andreucci. É também professor da Escola Superior do Ministério Público – SP e da Escola Superior de Advocacia (ESA)
Revista Consultor Jurídico, 11 de outubro de 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário