Sob a atenção da imprensa e de seus colegas de profissão, o "advogado da viúva negra", como é conhecido Michael Dowd, iniciou mais uma batalha judicial em um tribunal de Queens, uma das cinco divisões da cidade de Nova York. Mais uma vez, o criminalista, que se dedica, há 30 anos, à defesa quase sempre bem-sucedida de mulheres que matam seus maridos em reação a abusos — como violência doméstica e estupro — terá pela frente a missão "hercúlea" de defender rés confessas, diz o jornal New York Times.
A cliente de Michael Dowd, a secretária de uma escola Barbara Sheehan, confessou perante o júri, na quarta-feira passada, que matou Raymond Sheehan, seu então marido, em defesa própria. Ela disse que, em 11 de fevereiro de 2008, disparou 11 tiros em seu violento marido, um ex-sargento da Polícia, quando ele estava no banheiro se barbeando. Ela declarou que matou para não morrer.
Mas, o promotor retrucou que a última declaração não confere com as informações obtidas nas investigações. Segundo o promotor, pouco minutos antes de matar seu marido, ela estava no computador, revisando um texto sobre religião de seu filho. Na mesma manhã, ela buscou na internet pacotes turísticos de baixo preço e leu sobre casais célebres — dificilmente o comportamento de uma mulher que está temendo por sua vida, argumentou.
O defensor contra-argumentou que as ações da secretária foram perfeitamente lógicas. Se entregar a ações aparentemente prosaicas, em situações de extrema pressão, sempre foi uma particularidade de mulheres que sofrem violências domésticas, como a senhora Sheehan, condicionada a operar em zonas de combate.
"Se algum advogado sabe disso, é Michael Dowd, um irlandês magricela e desengonçado, de rosto avermelhado, com uma especialização nada comum", escreve o New York Times. Ele já defendeu tantas mulheres violentadas, que mataram seus maridos com facas de cozinha, facões, pistolas semiautomáticas e outras armas nem sempre convencionais, que ganhou de seus colegas o epíteto "advogado da viúva negra". Defendeu mais de duas dúzias de mulheres e apenas uma foi condenada por assassinato. As demais foram absolvidas ou receberam penas mínimas.
A diretora do Centro de Documentação Nacional para a Defesa de Mulheres Violentadas, Sue Osthoff, disse que o advogado "conseguiu, com muito esforço, um nicho em uma área muito difícil e angustiante da advocacia". Na verdade, ele passou a se dedicar a essa especialização pouco comum por força de suas próprias angústias, ela disse ao jornal.
Em 1986, Michael Dowd foi envolvido em um escândalo de corrupção, depois que revelou que sua empresa, que tinha um contrato com a cidade para coletar pagamentos vencidos de multas de estacionamento para o Escritório de Violações de Estacionamento, havia pago cerca de US$ 30 mil em subornos, em um período de 18 meses, ao presidente do distrito de Queens, Donald Manes. Em retorno, sua empresa receberia um contrato lucrativo para coleta de multas.
Em sua defesa, ele foi enfático em sustentar que nunca subornou Donald Manes, mas que foi extorquido. Argumentou que foi ele que denunciou o esquema de corrupção do órgão público a um jornalista do The Daily News (o que aconteceu, na verdade, em um bar irlandês, depois de vários drinques).
Estourado o escândalo, Donald Manes cometeu suicídio: esfaqueou seu coração. O advogado Michael Dowd, por sua vez, foi transformado em uma testemunha-estrela pelo então procurador federal Rudolph Giuliani (ex-prefeito de Nova York, que chegou à celebridade depois do atentado às torres gêmeas do World Trade Center, o que lhe rendeu uma candidatura à Presidência da República pelo Partido Republicano).
O advogado conseguiu imunidade processual na Justiça, mas se saiu mal com a American Bar Association (ABA — a ordem dos advogados dos EUA). A seccional do estado de Nova York suspendeu sua licença para atuar na advocacia por cinco anos, por violar o código disciplinar estadual para advogados. A comunidade jurídica não perdoou suas transgressões, à época.
As consequências de ser uma vítima de extorsão o levaram, paradoxalmente, a se fortalecer como advogado de defesa e a entender a impotência das mulheres violentadas no sistema judiciário. E a se identificar com elas, porque, ao contrário dos homens, elas não tinham a menor chance de se sair bem nos tribunais, quando a disputa era mulher versus marido, ele disse.
"No início dos anos 80, os promotores recorriam a fatos como a baixa qualidade dos serviços de dona de casa ou a inaptidão culinária da mulher para justificar violências dos maridos", conta o jornal. "Mulheres violentadas, que matavam seus maridos, eram encorajadas a apelar para insanidade mental, em vez enfrentar um julgamento".
Na segunda-feira (3/10), o advogado disse aos jurados que Barbara Sheehan atirou no marido em legítima defesa. Em uma atitude impensável para o início dos anos 80, ele descreveu com tanto vigor os atos "diabólicos" do marido, que o juiz foi obrigado a lembrar aos jurados que a vítima não estava em julgamento, informa o Daily News.
Mas, Michael Dowd explicou aos jurados porque "era ela ou ele", com base na história que ela contou. Quando ela se preparava para sair, o marido contrariado, gritou, com o rosto contorcido de raiva, que iria matá-la. E pegou uma pistola Glock de 9 mm, que levara com ele para o banheiro, quando foi se barbear. Ela pegou um revólver de calibre 38, que ele usava antes de se aposentar como policial, e lhe desferiu 5 tiros. A pistola caiu no chão, a seu lado, e ele tentava agarrá-la, ainda aos gritos de "você está morta". Ela pegou a pistola antes dele, e esvaziou a arma nele. Foram mais seis tiros.
"Naquele momento, em 18 de fevereiro de 2008, ela atingiu o seu ponto de ruptura, depois de 24 anos de maus tratos e violência", disse o advogado aos jurados. Para comprovar que ela aturou o marido por todos esses anos, ele levou à corte os dois filhos do casal, familiares e amigos. Todos confirmaram. Menos uma testemunha, que defendeu o marido. "Ele foi um grande policial, muito bem conceituado em seu meio", disse ela.
Por isso mesmo, retrucou o advogado, sua cliente nunca fez um pedido de proteção à Polícia, o que ela poderia ter feito, segundo o promotor. Ela tentava sair de casa, quando tudo aconteceu, porque ela estava na iminência de ser morta, disse o advogado. "Por que um homem levaria uma pistola para o banheiro, onde ia se barbear?", perguntou.
Revista Consultor Jurídico, 5 de outubro de 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário