sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Violência assombra 9 em cada 10 brasileiros

Nove entre dez brasileiros temem ser vítimas de homicídio e assalto à mão armada ou ter a casa arrombada. A sensação de insegurança foi medida pelo Sistema de Indicadores de Percepção Social sobre Se­­gurança Pública, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O estudo revela ainda que a polícia não aspira muita confiança na população.
“O dado é ruim para a sociedade brasileira porque afeta a qualidade de vida. Com medo, a população vive mal, estressada, ansiosa, mudando sua rotina de comportamento”, analisa o ex-secretário de Segurança de Minas Gerais e coordenador do Centro de Pesquisa em Segurança Pública da PUC-MG, Luís Flavio Sapori. “Esse sentimento fundamenta as posturas de autoproteção dos indivíduos”, diz.
Pânico injustificado
Sentimento nem sempre é fiel à realidade
Estudos mostram que a percepção de insegurança nem sempre corresponde à realidade. A pesquisa “A geografia do medo: reflexões sobre o sentimento de insegurança em Belo Horizonte”, de Alexandre Diniz, afirma que é a percepção que alimenta o sentimento de insegurança. Com isso, “as pessoas deixam de sair de casa ou evitam certas áreas da cidade, bem como passam a investir maciçamente em equipamentos de segurança pessoal. Grades, cercas elétricas, circuitos internos de tevê e vigilância privada já são traços comuns da sociedade brasileira”.
Nem sempre, no entanto, esse sentimento está vinculado à existência da criminalidade. “Curiosamente, nem sempre a sensação de insegurança ou o medo da vitimização guardam relação direta com a incidência criminal”, diz o texto da pesquisa.
Tanto o estudo do Ipea quanto uma pesquisa desenvolvida em conjunto com acadêmicos pela professora de Sociologia da PUCPR Rosita Hummell mostra que as mulheres têm mais medo da violência urbana do que os homens. “As mulheres começam a ter a sensação de insegurança mais cedo do que os homens. Não se sabe exatamente o motivo, mas talvez porque elas tenham mais apego à família e temam que algo aconteça”, diz Rosita. (VB)
Atendente do 190 pensa que sequestro real é trote
O caso de uma menina de 8 anos sequestrada em São Paulo exemplifica a falta de agilidade da polícia no atendimento de emergência pelo telefone. Segundo a pesquisa do Ipea, 62% das pessoas afirmam que o serviço não é ágil.
Mantida em cativeiro por 15 dias, a criança achou um celular, ligou para a polícia e avisou que era mantida em cárcere privado pela própria prima, uma adolescente de 14 anos. Nos primeiros cinco minutos da ligação, a atendente do 190 achou que tudo não passava de um trote. Só diante da insistência da menina, que passou a dar mais detalhes do crime, é que o apelo foi atendido e PMs foram ao local. A adolescente de 14 anos foi apreendida e a criança devolvida aos braços da mãe. Outro acusado do crime, um homem de 43 anos, está foragido.
A PM justificou a demora alegando que recebe 3,5 mil trotes infantis por mês no atendimento 190. A Polícia Civil investiga se a criança foi vítima de abuso sexual enquanto esteve sequestrada.
Para a doutora em Psicologia Social e professora do mestrado em Psicologia da Universidade Tuiuti Denise de Camargo, os dados são tão alarmantes que a situação pode ser considerada quase uma patologia social. “Uma sociedade em que nove entre dez têm medo pode se dizer que é um medo muito acentuado. Quando chega a esse nível, já está interferindo na rotina das pessoas”, analisa. Para ela, o temor das pessoas se deve aos casos conhecidos que ocorrem, desde os noticiados pela mídia até os observados no dia a dia. “Mesmo quem não sofreu dessa violência, do transtorno pós-traumático, acaba sendo afetado, porque está a todo momento acompanhando esse tipo de caso”, diz.
Segundo o levantamento, na Região Sul, 70% da população tem medo de homicídios. No Nordeste, por outro lado, os números são mais elevados, com 86% afirmando ter muito medo de morrer por armas de fogo ou brancas. Na sequência, estão o Norte (79%), Sudeste (79%) e Centro-Oeste (75%).
Desconfiança
O resultado do levantamento, em parte, tem a ver com a falta de confiança da população nas Polícias Civil e Militar e nas Guardas Municipais, além da ineficiência dos serviços ofertados à comunidade, como atendimento de emergências, registro de queixas, abordagens policiais e rapidez na investigação de crimes.
Na avaliação de Sapori, é preciso “modernizar a polícia e rever os trabalhos de formação e de capacitação, além de combater a corrupção”.
O ex-secretário de Minas diz ainda que a política de segurança municipal, estadual e federal precisa diminuir não só os índices de homicídios e assaltos à mão armada, mas de furtos e roubos no cotidiano. “Essa é a forma concreta de diminuir o sentimento de medo. É preciso haver ação planejada entre os governos e fazer com que as pessoas confiem nas polícias”, afirma.
Para o ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo Rui César Melo, o poder público precisa impor sua presença e não permitir a disseminação da impunidade. “A sensação de segurança vem a partir do momento em que a polícia faz melhor o seu trabalho, com mais presença, mais ostensividade”, diz.
Para ele, a divulgação mais frequente de erros e de casos de corrupção em vez dos acertos, por parte da imprensa e outros meios, distorce a visão da população sobre a corporação. “Dentro do número de operações diárias, é um porcentual mínimo que não dá certo. Mas é isso que se lê, assiste e se ouve. Quantas vezes se vê falar bem da polícia? É muito raro”, afirma.
Por esse motivo, as ocupações da polícia e do Exército em territórios até então dominados por traficantes no Rio de Janeiro, nas últimas semanas, tendem a apresentar resultados positivos na avaliação que a população faz da segurança pública.
O objetivo dos indicadores é verificar como a população avalia os serviços de utilidade pública e sugerir caminhos para algumas das demandas específicas percebidas com a pesquisa. Em se tratando de segurança pública, para transformar o panorama apresentado, segundo o estudo, o estado terá de trabalhar com eficiência e qualidade.
A reportagem procurou a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), vinculada ao Ministério da Justiça, e a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) para comentar o assunto, mas nenhuma das instituições se manifestou.


Fonte: Vinicius Boreki - Gazeta do Povo

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