Considera-se a prisão do réu no curso do processo um fenômeno excepcional, tratando-se de uma medida que deve ser aplicada em último caso. Entretanto, observando dados da atual realidade, percebe-se que a exceção tem se tornado a regra, haja vista a enorme quantidade de prisões cautelares - em algumas unidades da federação a quantidade de presos provisórios supera a de presos que, de fato, cumprem pena.
De acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), entre 2000 e 2008 a população carcerária cresceu 89%, saltando de 232 mil para mais de 440 mil presos. Nesses oito anos, o número de presos provisórios foi de 43 mil para 190 mil presos. Hoje esse número é menor: de acordo com relatório divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), até o fim do primeiro semestre de 2010, a quantidade de presos custodiados no sistema corresponde a quase 441 mil, desse total, cerca de 163 mil são provisórios.
As taxas anuais de encarceramento têm diminuído, fato que seria explicado pela expansão, ainda que tímida, da aplicação de medidas e penas alternativas pelo Judiciário além da atuação do CNJ no cenário penitenciário. Mesmo assim, velhos problemas (como a superlotação) se mantêm e, atualmente, o déficit de vagas é de 194.650.
O ordenamento jurídico brasileiro prevê que a prisão cautelar pode ser decretada para garantir a ordem pública, caso se verifique a possibilidade de o acusado, se mantido em liberdade, praticar outros crimes, atrapalhar o curso da persecução penal ou até mesmo fugir.
Mas o fato é que tanto o MP quanto alguns juízes têm agido de forma mais dura, atropelando um direito constitucional, suprimindo a liberdade de muitos sob a já banalizada justificativa de preservação da ordem pública. Pode ser também motivada pela pressão da sociedade, para não desagradar a opinião pública ou para não parecer que o juiz é favorável ao acusado, é verdade. O que não muda a ideia de que a prisão cautelar não deve ser uma resposta antecipada ao crime.
A partir dos dados alarmantes com que nos deparamos, percebe-se que a dificuldade de alocar os detentos em um local com o mínimo de dignidade e segurança, torna a prisão cautelar até pior do que a pena. Os presídios, de longe, não são um lugar de correção e ressocialização, mas verdadeiros depósitos de humanos.
Diante dessa cruel face de nosso sistema carcerário, o CNJ tem atuado de modo a tentar melhorar a situação em que se encontram as prisões e dar mais efetividade à Constituição e às leis que regulam as execuções penais.
Entre as medidas adotadas pelo Conselho tem destaque o projeto conhecido como “Mutirão de Execuções Penais”, que tem como objetivo assegurar o respeito aos direitos e garantias fundamentais dos presos, inclusive no tocante à condições de higiene e salubridade das unidades prisionais. O projeto consiste na apreciação em larga escala de processos judiciais, com a finalidade de corrigir irregularidades que acabam por interferir no planejamento e na aplicação de recursos destinados à manutenção e aperfeiçoamento do sistema penitenciário brasileiro.
Entre as ações ligadas ao projeto estão os mutirões carcerários, que têm sido realizados em unidades prisionais em diversos estados, resultando no deferimento de benefícios, bem como a libertação de presos indevidamente mantidos no cárcere – inclusive casos em que as penas já tinham sido cumpridas.
Ainda em relação à situação dos presos no Brasil, em abril deste ano, foi aprovada pelo CNJ a criação do Cadastro Nacional de Prisões Cautelares e Internações Provisórias, cadastro este que fazia parte da proposta de emenda à Resolução nº. 66, que criaria mecanismo de controle estatístico e disciplinaria o acompanhamento das prisões provisórias. Contudo, foi decidido que a Resolução nº. 66 e, por conseguinte, o Cadastro Nacional só entrarão em vigor depois da implantação do processo judicial eletrônico.
Quando o Cadatro começar a funcionar, as prisões cautelares e as internações provisórias deverão ser cadastradas em até 24 horas após a comunicação. As já iniciadas e ainda em curso deverão ser cadastradas no prazo máximo de 180 dias. Ele possibilitará um maior controle dos presos provisórios por parte do Judiciário, permitindo que os juízes das Varas Criminais e da Central de Inquéritos acompanhem a situação das prisões em flagrante, temporárias e preventivas, evitando assim, que o prazo das prisões provisórias exceda ao tempo máximo permitido por lei.
Enquanto o Cadastro não sai do plano das idéias, as prisões cautelares continuam a ocorrer e, como consequência, cada vez mais os tribunais superiores recebem pedidos de Hábeas Corpus na tentativa de impedir que o cidadão seja alvo de arbitrariedades por parte do Estado.
Só neste ano, entre janeiro e setembro, o Superior Tribunal Federal (STF) concedeu 344 pedidos de Hábeas Corpus, sendo 39 deles por deficiência de fundamentação na decretação da prisão cautelar.
Se de um lado temos uma corrente que critica a quantidade excessiva de prisões cautelares, há também quem considere que haja uma banalização do uso da ação. Mas o fato é que a medida pode ser utilizada em diversas situações: sempre que alguém entender que está sofrendo violência ou coação em relação a sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, ou mesmo para discutir questões de natureza jurídica, como nos casos de nulidades processuais, inépcia na denúncia, abusos processuais de juízes ou quando há a falta de justa causa para a ação penal.
Diante da situação em que nos encontramos, em que quase 40% dos presos são provisórios, é o momento, como colocou o ministro Gilmar Mendes, de cada uma das instituições ligadas ao sistema carcerário abandonar a postura de transferência de culpas para abraçar a da corresponsabilidade, com planejamento e atuação articulados. “Passa da hora de o País alçar ao ranking exemplar da responsabilidade social, garantindo, minimamente, proteção aos direitos fundamentais, sobretudo dos segmentos mais vulneráveis da população.”
(EAH)
IBCCRIM.
Nenhum comentário:
Postar um comentário