O Poder Judiciário brasileiro atravessa uma longa e grave crise. Minado em sua capacidade de regular e solucionar conflitos, este Poder da República dá claros sinais de esgotamento, os quais comprometem o valor das bases democráticas em que se assenta.
Nossa história constitucional reflete, em grande parte, a percepção desta crise, sobretudo com a paradigmática Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que introduziu profundas mudanças na estrutura do sistema de justiça.
A ideia central que tem impulsionado as medidas de solução da crise vem do diagnóstico de uma crise de administração. Nela se baseia a convicção de que a excessiva independência judicial é contraproducente. A culpa é da liberdade de julgar. São produtos dela as súmulas vinculantes e a proibição de declaração de inconstitucionalidade nos órgãos fracionários dos tribunais.
Sensível a este diagnóstico, o legislador infraconstitucional empreende reformas justificadas na necessidade de racionalização que acabam por diminuir o nível de garantias do cidadão, e como que atribuir ao excesso de liberdades e de franquias a culpa pelas demandas que se multiplicam de modo exponencial nas diversas cortes e pela eternização dos conflitos. É significativo, neste sentido, o ponto da reforma do CPP que restringe o uso do remédio do habeas corpus.
Presentemente, toma fôlego a ideia de que há uma crise de meios provocada pelas restrições orçamentárias, numa incontestável verdade que, porém, corre o risco de se desqualificar em razão das mazelas nas administrações dos tribunais.
Estas concepções e visões, não é difícil perceber, têm limitações muito claras e produzem resultados escassos. Paradoxalmente, alimentam-se de suas próprias insuficiências e perpetuam-se embaladas pelo refrão da insegurança jurídica e da impunidade.
A justiça criminal é particularmente suscetível a este drama. Para ela, convergem aqueles que sofrem, aqueles que causam sofrimento, e aqueles que podem redimir as chagas da sociedade. É um ambiente propício ao desvirtuamento do ideal de Justiça, mercê da funcionalização do Direito com vistas à contenção e à anulação dos indesejados.
Sua produção institucional é produto deste quadro, e o grave problema do uso abusivo da prisão constitui um pequeno índice de problemas bem mais graves que necessitam ser enfrentados.
A prisão, neste contexto, é uma forma expedita de administração que oculta problemas e evita a reflexão. Na sua origem, a necessidade dos julgamentos sumários e superficiais que se impõem em nome da produtividade e da gestão eficiente. Não por acaso a pressa, a falta de cuidado, a urbanidade no trato cada vez mais rara, para não dizer, ingenuamente, o desaparecimento do sorriso.
O homem que aí vai sendo forjado é um não homem, recusado em sua individualidade e em sua existência concreta. Este homem não é apenas o condenado. É também o que julga e o que acusa. Todos, sem exceção, perdem a dimensão humana, pois o sistema é, por natureza, dialético.
A Justiça que aí se apresenta é, por igual, uma não justiça. Máquina de moer gente. Cabe, então, perguntar se reformar o Poder Judiciário é o simples exercício gerencial e asséptico com que se tem enfrentado o problema, ou se, além de uma justiça de administração, pode se esperar algo mais.
O IBCCRIM, ao propor esta reflexão, externa a sua convicção no fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana e no objetivo republicano de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que devem iluminar a difícil travessia por este mar revolto chamado crise do Poder Judiciário.Como citar: Crise do poder judiciário. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 217, p. 01, dez., 2010.
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