quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Artigo: A Investigação criminal no PL 156/09

Por Guilherme Rodrigues Abrão

Como consabido, está tramitando no Senado Federal, desde 2009, o Projeto de Lei n° 156, que visa a não só reformar aspectos pontuais, mas sim apresentar um novo Código de Processo Penal à sociedade brasileira, o qual, diga-se desde logo, calca-se em novos paradigmas e também em outros nem tão inovadores assim. Objetiva-se, portanto, alterar substancialmente o Código de Processo Penal, sendo, nesse momento, interessante pontuar breves questões referentes à fase pré-processual.
A investigação preliminar criminal é de fundamental importância em um Estado Democrático e Constitucional de Direito, pois é nesse momento em que o próprio Estado atua com (ou ao menos deveria assim proceder) “a função de evitar acusações infundadas (...), pois em realidade, evitar acusações infundadas significa esclarecer o fato oculto (juízo provisório e de probabilidade) e com isso também assegurar a sociedade de que não existirão abusos por parte do poder persecutório estatal” (Lopes Jr.).(1)
Nesse campo, o projeto de novo Código de Processo Penal inova ao trazer, em seu título II, “Da Investigação Criminal”, disposições gerais atinentes a essa fase, especialmente ao garantir expressamente o sigilo à elucidação dos fatos,(2) o direito à informação e ao contraditório,(3-4) o que está em conformidade com o que hoje é regrado na Súmula Vinculante n° 14 do STF, bem como à ampla defesa, já que o artigo 13 do Projeto estabelece que “é facultado ao investigado, por meio de seu advogado, de defensor público (...), tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas”.
Todavia, o Projeto 156 somente menciona expressamente como forma de investigação criminal pré-processual o inquérito policial, assim como no Código de Processo Penal ora vigente, embora em seu artigo 18°, §2°, disponha que “a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”, reconhecendo, portanto, a possibilidade de que outros órgãos estatais, que não a polícia judiciária, efetue investigações criminais.
Dessa forma, não há disposições, ainda que de forma mínima e em linhas gerais, sobre a investigação criminal realizada pelo Ministério Público, tema de recorrentes discussões, e que, inclusive, o STF já reconheceu sua repercussão geral (RE nº 593727), nem mesmo em relação à investigação criminal preliminar realizada por meio de comissões parlamentares de inquérito (inquérito parlamentar) ou mesmo por outros órgãos quando investigam por meio de processos administrativos ou sindicâncias.
O que se intenta delinear é que o Projeto 156 poderia regrar, ainda que de forma mínima, outras formas de investigação criminal que não por meio do inquérito policial. Assim, a temática da investigação criminal conduzida pelo Ministério Público e pelas comissões parlamentares de inquérito, ao menos, deveria ter sido objeto de considerações, mesmo que as disposições gerais atinentes a essa fase pré-processual possam ser reconhecidas em tais modalidades investigativas. Ou seja, é preciso expandir o olhar sobre as formas de investigação criminal, pois tal tarefa não ocorre somente por meio do inquérito policial. É preciso reconhecer que a investigação preliminar criminal pode também se dar pelo Ministério Público (nesse ponto, parece o caminho natural, ainda que esteja pendente clarear as regras do jogo) e, eventualmente, pelo Poder Legislativo por meio de suas comissões parlamentares de inquérito.
É preciso que a investigação criminal, como um todo (inquérito policial, inquérito administrativo, inquérito parlamentar, investigação pelo Ministério Público, etc.), seja minimamente regrada e prevista expressamente no Código de Processo Penal, inclusive, de forma harmônica a garantir uma unidade de tratamento especial e fundamentalmente ao investigado, para essencialmente estabelecer, desde logo, garantias fundamentais.
Assim, pensa-se que não somente o processo, mas também sua fase anterior – preliminar – estaria nos moldes de um modelo de devido processo legal constitucional, garantindo direitos e reconhecendo garantias aos investigados, pois, como anota Binder, em relação à garantia de defesa, mas sendo seu raciocínio também vinculado às demais garantias, “deve ser exercida durante todo o processo e, de maneira, mais intensa, durante a investigação, já que as possibilidades de abalar todas as garantias processuais ocorrem, primordialmente, nesta fase”.(5) Salutar seria, então, que no Projeto n° 156 houvesse a previsão, de forma harmônica e semelhante, ao menos com disposições gerais expressamente reconhecidas e aplicáveis a outras formas de investigação que não só o inquérito policial, para com isso o investigado ser visto como sujeito de direitos e ter reconhecida a possibilidade, já nessa fase preliminar, de exercer seu direito constitucional a uma defesa mínima e ao mínimo de contraditório (acesso aos autos da investigação - informação), respeitando-se primordialmente a garantia da não autoincriminação.(6) 

NOTAS

(1) LOPES JR., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 57.
(2) “Art. 10. Toda investigação criminal deve assegurar o sigilo necessário à elucidação do fato e à preservação da intimidade e vida privada da vítima, das testemunhas e do investigado”.
(3) “Art. 11. É garantido ao investigado e ao seu defensor acesso a todo material já produzido na investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, as diligências em andamento. Parágrafo único. O acesso a que faz referência o caput deste artigo compreende consulta ampla, apontamentos e reprodução por fotocópia ou outros meios técnicos compatíveis com a natureza do material”.
(4) “Art. 12. É direito do investigado ser ouvido pela autoridade competente antes que a investigação criminal seja concluída. Parágrafo único. A autoridade tomará as medidas necessárias para que seja facultado ao investigado o exercício do direito previsto no caput desde artigo, salvo impossibilidade devidamente justificada”.
(5) BINDER, Alberto. Introdução ao direito processual penal. Trad. Fernando Zani. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 120.
(6) “Justamente por ser o inquérito etapa importante para a obtenção de meios de prova, inclusive com atos que depois não mais se repetem, o acusado deve contar com assistência de defensor já nessa fase preliminar (...). Há de garantir ao acusado, portanto, o direito de defesa (...) possibilitando a ele o direito de se contrapor a todas as acusações, com a assistência de advogado, com a possibilidade de manter-se silente e a admissibilidade de produção das provas por ele requeridas, indispensáveis à demonstração de sua inocência, ou de sua culpabilidade diminuída. (...) É preciso, pois, garantir a defesa efetiva do acusado quando esta realmente importa, estendendo-se o exercício do direito de defesa ao inquérito policial. (...)” (SAAD, Marta. Duas formas de ciência da acusação, premissa para pleno exercício do direito de defesa: acusação formal, certa e definida e acesso aos autos do inquérito policial. InVILARDI, Celso Sanchez; PEREIRA, Flávia Rahal Bresser; DIAS NETO, Theodomiro. Crimes econômicos e processo penal. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 271-274).

Guilherme Rodrigues Abrão, Advogado Criminalista. Mestrando em Ciências Criminais (PUCRS).
Especialista em Ciências Criminais (Rede LFG) e em Direito Penal Empresarial (PUCRS).
Secretário e coordenador adjunto do Departamento Científico do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal (IBRAPP).


Como citar este artigo: ABRÂO, Guilherme Rodrigues Abrão. A Investigação criminal no PL 156/09In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 217, p. 08, dez., 2010. 

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