A cada 23 pessoas presas, uma é morta pela polícia do Rio de Janeiro. Já em São Paulo, há uma vítima para cada 348 presos. Nos Estados Unidos, é preciso prender mais de 37 mil suspeitos para que haja uma morte. Os números foram divulgados pelo relatório da organização não governamental Human Rights Watch. Segundo a entidade, a maior causa dos altos índices é pelo fato de que muitos homicídios cometidos pelas polícias brasileiras, relatados como legítima defesa, são, na verdade, execuções extrajudiciais. A informação é da Agência Brasil.
Os dados divulgados pela organização contradizem pelo menos 51 dos mais de 11 mil casos registrados como auto de resistência seguido de morte pelos policiais, desde 2003. Em 33 casos, técnicas forenses vão contra as versões oficiais para os homicídios e em 17 mostram que a vítima recebeu um tiro à queima-roupa. O documento “Força Letal: Violência Policial e Segurança Pública no Rio de Janeiro e em São Paulo” também mostra que as polícias dos dois estados estão entre as que mais matam em todo mundo.
“Os policiais são autorizados a usar a força letal como o último recurso para se protegerem ou protegerem outros. Mas a noção de que esses homicídios seriam cometidos em legítima defesa ou seriam justificados pelos altos índices de criminalidade é insustentável”, afirmou o diretor da divisão das Américas da ONG, José Miguel Vivanco. Segundo a Human Rights, as polícias do Rio de Janeiro e de São Paulo matam juntas mais de mil pessoas por ano em supostos confrontos.
Embora os números não estejam contabilizados, o relatório também chama atenção para as mortes cometidas por policiais fora do expediente, “frequentemente quando agem como membros de milícia no Rio ou em grupos de extermínio em São Paulo”. A causa dos extermínios extrajudiciais, aponta o documento, são os sistemas de justiça penal nos dois estados que dependem de membros das próprias corporações para investigar as circunstâncias dos autos de resistência e que não conseguem responsabilizar os policiais por assassinato.
“Enquanto couber às polícias investigar a si mesmas, essas execuções continuarão. E os esforços legítimos de combater a violência serão enfraquecidos”, completa Vivanco. Elaborado com dados coletados em dois anos de pesquisa, o relatório traz entrevistas com cerca de 40 autoridades da Justiça criminal como promotores e procuradores, que também avaliam que as execuções extrajudicias nos dois estados são um problema generalizado.
Ao ser questionado sobre os dados da Human Rights, o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, desqualificou a pesquisa da ONG taxando-a de “ideológica”. E justificou o elevado número de mortes cometidas em confronto, explicando que no estado três facções criminosas, fortemente armadas, brigam pelo controle do tráfico de drogas.
“Acho que essas instituições [como a Human Rights] não gostam de ouvir que aqui temos três facções criminosas, temos ideologia de facções e territórios armados sustentados por armas de guerras", disse Beltrame, após assinatura de convênio para integração de bancos de dados da área de segurança, na sede da secretaria.
Especialistas sugerem fiscalização
O desafio de conter a violência policial nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo passa por melhorias na estrutura da Justiça criminal e também pela valorização da vida. A avaliação é do cientista social Paulo Jorge Ribeiro, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que comentou o relatório da Human Rights Watch nesta terça-feira (8/12).
O desafio de conter a violência policial nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo passa por melhorias na estrutura da Justiça criminal e também pela valorização da vida. A avaliação é do cientista social Paulo Jorge Ribeiro, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que comentou o relatório da Human Rights Watch nesta terça-feira (8/12).
“Todos têm direito à vida. Não importa quem seja. A vida é um bem e não um direito”, afirmou. “A letalidade não pode ser vista como necessária. É fundamental que os controladores sejam controlados, que as instituições que visam a punição e a prisão [de policiais] também sejam vigiadas por seus pares ou pela sociedade civil.”
No âmbito da punição dos agentes policiais, Ribeiro avalia que é preciso reformular as corregedoria e ouvidorias. “Os policiais cortam na própria carne, mas não como deveriam, porque não há a possibilidade de terem uma carreira autônoma. Se o policial começar a punir demais seus pares, automaticamente será isolado”.
O relatório da ONG internacional de defesa dos direitos humanos também aponta saídas para os crimes cometidos por policiais, como a notificação imediata ao Ministério Público do ocorrido e um reforço no sistema criminal para que os agentes sejam punidos, quando for o caso.
Revista Consultor Jurídico, 8 de dezembro de 2009.
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