quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A revisão da Lei da Anistia




O “Comitê contra a Anistia aos Torturadores”, grupo de defensores de direitos humanos e entidades da sociedade civil, inicia campanha e pede ao STF, na ADPF n.º 153, a declaração de que a Lei da Anistia, de 1979, não beneficia os agentes do estado responsáveis por tortura. Preliminarmente, o comitê criou, via on-line, um manifesto que conta com o apoio de intelectuais, artistas, juristas e parlamentares. O IBCCRIM, conforme o editorial publicado no Boletim n.º 204, associa-se a tal entidade. Para tomar conhecimento e assinar tal petição eletrônica dirigida ao Supremo Tribunal Federal é necessário clicar no linkhttp://www.ajd.org.br/contraanistia_port.php
Ações como essas somam-se às praticadas no dia 28 agosto de 2008, aniversário da Lei da Anistia, em que foi lido, no tradicional Pátio da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, no mesmo local que, há 32 anos, foi lida a “Carta aos Brasileiros”, a qual significou um dos primeiros passos para os movimentos que resultaram na campanha “Diretas Já!”, um manifesto liderado pelos professores Dalmo de Abreu Dallari e Fábio Konder Comparato, com o apoio do Ministério Público, da Associação dos Magistrados do Brasil, do Centro Acadêmico XI de Agosto, da CNBB e da entidade “Tortura nunca mais!”. Tal empreitada pretendia relembrar momentos lamentáveis de nossa história recente e procurar mecanismos jurídicos eficientes para punir aqueles que cometeram diversas formas de atrocidades em nome de um regime de exceção.
De maneira diversa daquela que ocorreu em outros países latino-americanos nos períodos pós-ditaduras militares, em que seus antigos dirigentes foram punidos de maneira bastante severa, o Brasil optou por uma saída menos traumática, pelo menos para aqueles que ditaram os rumos do País por duas décadas. No caso argentino, por exemplo, o presidente Alfonsín, civil eleito em período imediatamente subseqüente ao governo militar, iniciou, como um de seus principais compromissos para com sua nação, a punição pelos responsáveis pela ditadura e pela grande diversidade de crimes cometidos, sobretudo aqueles que traumatizaram centenas de famílias. O Brasil, como afirma diversos historiadores que analisaram todas as etapas da nossa formação político-social, sempre “mudou para não modificar” e preferiu saídas negociadas para os conflitos aqui travados, haja vista o desenrolar da Proclamação da República, da Revolução de 30 e a Revolução Constitucionalista de 1932. Nesse sentido, a Lei da Anistia, de 1979, a qual consagra a anistia ampla, geral e irrestrita aos crimes políticos praticados nos anos da ditadura militar, ocorre em consonância com o plano de abertura política dos militares, criado, sobretudo, pelo presidente Geisel e pelo general Golbery do Couto e Silva, naquilo que chamaram de “abertura lenta, segura e gradual.”
É notório que diversos estudantes, professores, líderes religiosos, artistas e intelectuais foram, sobretudo durante o governo do General Médici, trancafiados nos porões da Ditadura e submetidos às práticas que não apenas ofendem ao Estado Democrático de Direito instituído no Brasil atual, mas, inclusive, aos Tratados Internacionais e aos Direitos Humanos. Nesta manifestação, já contrariando alguns posicionamentos publicados, ficou bem salientado, da mesma forma que é consenso na doutrina e jurisprudência internacionais, que os atos cometidos pelos agentes do governo durante as ditaduras latino-americanas foram crimes contra a humanidade. Portanto, são considerados como pertencentes à legislação supra nacional, independente das eventuais leis que anistiem tais ilícitos, especialmente aquelas leis que surgiram na iminência do fim desses regimes, como é o caso.
Embora a Lei da Anistia tenha permitido o retorno de diversos intelectuais, artistas e militantes políticos ao Brasil, entre os quais Miguel Arraes, Franklin Martins, Luís Carlos Prestes e o educador Paulo Freire, esta permitiu, também, que agentes da polícia política brasileira, em especial o “Esquadrão da Morte”, ficassem ilesos dos crimes que cometeram, inclusive, lamentavelmente, os crimes de agressão, tortura, e homicídio. Tais crimes foram praticados à margem de qualquer legalidade, já que os governos da ditadura jamais os autorizaram ou os reconheceram como atos oficiais do Estado. Diante dessa realidade, e levando em consideração que este País muitas vezes se esquece rapidamente de episódios chocantes, faz-se necessário declarar para toda a população, e desta vez pela força da Justiça, que a Ditadura Militar realmente aqui existiu, embora alguns equivocados ainda insistam em negar.
Segundo o Professor Doutor Marcos Alexandre Coelho Zilli, do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direto da Universidade de São Paulo: “A necessidade do debate sobre a revisão da lei da anistia merece a atenção de todos. Isso tanto é verdade que haverá, no dia 1 de março de 2010, quando será comemorado os 25 anos da redemocratização, um debate com intelectuais de diversas nacionalidades sobre esse tema. Dentre os participantes, estão confirmados os professores Eugenio Raul Zaffaroni, Kai Ambos e Sylvia Steiner”.
Mesmo que uma condenação experimente uma série de dificuldades, dado o decurso do tempo e até a morte de muitos dos envolvidos, é válido salientar que desde a simples declaração dos crimes até a eventual prisão dos membros da Ditadura significa tributo de respeito às vítimas e as suas respectivas famílias, as quais até hoje amargam por respostas ou mesmo sequer conhecem o paradeiro das ossadas de seus familiares. A estas, é negado o sagrado direito de enterrar dignamente os mortos. Felizmente, os crimes lesa humanidade são imprescritíveis e talvez se possa fazer justiça, mesmo que tardiamente.

(RRA)

IBCCRIM.

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