quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Artigo: Prevenção e combate ao insider trading são cruciais


Não obstante todas as crises que ocorreram no mercado de capitais desde a opção estadunidense pelo princípio regulatório do full and fair disclosure, ainda na primeira metade do século passado, remanesce o ideário jurídico e econômico de que o nível de eficiência do mercado está diretamente associado à velocidade de reação dos preços dos valores mobiliários nele negociados às informações prestadas ao público investidor.
Os emissores de valores mobiliários devem zelar pelo sigilo da informação privilegiada, ou seja, de informação relevante que excepcional e temporariamente ainda não tenha sido divulgada. Devem também reduzir o número de pessoas que a ela tenham acesso ao mínimo indispensável e sob o adequado compromisso dos insiders em relação ao resguardo da informação.
O uso indevido de informação privilegiada ou insider trading ocorre quando alguém utiliza informação relevante de que tenha ciência e que ainda não tenha sido levada ao conhecimento dos investidores, com o fim de obter, para si ou para outrem, algum tipo de vantagem na negociação com valores mobiliários. Nos dias atuais, a conduta repercute nas searas administrativa, civil e criminal.
insider trading fere gravemente o princípio do disclosure e, portanto, abala a credibilidade, a estabilidade e a eficiência do mercado de capitais.
O crime de uso indevido de informação privilegiada está tipificado no artigo 27-D da Lei 6.385, de 7 de dezembro de 1976, cujo teor é o seguinte:
“Artigo 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.”
Considerando o acima exposto e os princípios aplicáveis aos âmbitos penal e processual penal, pode-se afirmar que são as seguintes as principais características do delito de insider trading:
objeto: a credibilidade, a estabilidade e o regular funcionamento do mercado mobiliário, assim como a atuação regulatória e fiscalizatória da Comissão de Valores Mobiliários - CVM;
sujeito ativo: quem, em razão do seu ofício, tem acesso a informações privilegiadas (ex: administrador de companhia aberta);
sujeito passivo: titulares de valores mobiliários, investidores, companhia, CVM e a sociedade como um todo;
conduta típica: utilizar (fazer uso), de qualquer modo, da informação relevante;
elemento subjetivo: o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de utilizar a informação relevante;
momento consumativo: o da efetiva utilização da informação relevante, eis que se trata de crime formal e de perigo abstrato, ou seja, que não exige a obtenção da vantagem almejada pelo agente, sendo suficiente, para a sua configuração, a evidente potencialidade lesiva do ilícito;
ação penal: pública incondicionada, ou seja, trata-se de ação cujo titular é o Ministério Público; e
competência: Justiça Federal, por se tratar de crime contra um dos segmentos do sistema financeiro nacional (mercado de capitais), com potencial caráter transnacional e que viola os interesses institucionais do órgão regulador e fiscalizador do mercado mobiliário brasileiro, a autarquia federal em regime especial CVM.
A prevenção e o combate ao crime de insider trading conta atualmente com um importante trabalho conjunto da CVM com o Ministério Público Federal, que vem se desenvolvendo sob um amplo e produtivo Termo de Cooperação firmado pelas duas instituições em 08 de maio de 2008.
Esse trabalho já contribuiu para a viabilização da primeira denúncia por uso indevido de informação privilegiada no Brasil, que foi oferecida em maio do corrente ano contra três pessoas que, no ano de 2006, negociaram com valores mobiliários de emissão da Perdigão na Bolsa de Nova Iorque de posse de informação relevante ainda não divulgada ao mercado.
O MPF requereu que a CVM figure no processo penal na condição de assistente da acusação. A ação está atualmente em curso na 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, especializada em crimes financeiros e em lavagem de dinheiro.
Em um momento de retomada de operações no mercado de capitais como o presente, é muito positiva a constatação de que, no Brasil, a reprovabilidade penal do insider trading é objeto de uma norma clara e de uma atuação estatal cada vez mais coordenada e efetiva.

ALEXANDRE PINHEIRO DOS SANTOS é procurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada junto à Comissão de Valores Mobiliários, ex-advogado da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e professor de Direito Empresarial e de Mercado de Capitais.


Revista Consultor Jurídico, 15 de dezembro de 2009

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog