O "insignificante penal" é um tema frequente nas instâncias judiciais, muitas vezes embutido em pedidos de "habeas corpus"; alguns exageram e o denominam de "princípio da insignificância penal", quando se trata de "técnica de aplicação da lei penal", geralmente visando ao trancamento de ações sob a alegação de versarem bagatela.
A preocupação ou envolvimento do juiz com matérias de "ofensividade mínima" é há muito teorizada na Ciência Penal, tanto que aos jurisconsultos romanos já era recorrente a alegação "de minimis non curat Praetor", indicando que o juiz não se ocupa de "quinquilharias jurídicas"; entre nós, a Lei 9.099/95, ao instituir os Juizados Especiais Criminais, de certo modo atualiza a velha recomendação romanística, ao disciplinar o procedimento dos "ilícitos de menor potencial ofensivo". Pareceria intuitivo que o valor patrimonial de um ilícito não devesse servir para aliviar a sanção penal que lhe cabe ou mesmo para despenalizar a conduta do agente, como que se aceitando a ideia de que "nenhum crime é irrelevante"; essa observação, que pode até encontrar ressonância na "fúria punitiva" de muitos, não consoa com a evolução da Criminologia e o Direito Penal Mínimo, preconizando que só em último caso se aplicarão sanções corporais ou restritivas da liberdade. O colendo STF, em vários e respeitáveis julgamentos, que surpreendem pela adoção expansiva
da minimalização penal, afirma, por exemplo, que a lesão de até R$ 10.000.00 ao Erário se caracteriza como conduta atípica na imputação de descaminho (art. 334, CPB), como se vê nos HC´s 96.307, relator min. Joaquim Barbosa, e 99.284, relator min. Eros Grau, sob o fundamento do "insignificante fiscal", por situar-se abaixo do limite previsto para a promoção da execução fiscal (Leis 10.522/02 e 11.033/04), o mesmo ocorrendo quanto ao crime de furto (HC 96.688, relatora min. Ellen Gracie).
No egrégio STJ, verifica-se a adesão a essa orientação superior, embora alguns eminentes ministros da sua 5ª Turma façam ressalva de entendimento contrário; deve ser dito que a temática é desafiadora e que a "tentação minimalista" conflita abertamente com a necessidade de reprimir a criminalidade, mesmo quando se expressa em condutas de pouca monta, argumentando-se que estas, se não forem sancionadas, podem funcionar como prelúdios ou ritos iniciais de outros crimes graves ou incentivo à reiteração criminosa. De outro lado, há a respeitável ponderação de que o "rito inicial" se acha mesmo é na prisão por bagatela e no inevitável contágio do agente de infração mínima com personagens de infrações monstruosas, como latrocidas, pedófilos, sequestradores e traficantes de drogas.
É possível sugerir que a teoria da minimalização penal possa ser aplicada de modo menos complexo nos ilícitos cometidos sem violência e sem ameaça a pessoa, independentemente, em princípio, do valor da coisa furtada, subtraída ou sonegada, dando-se ênfase maior ao "modus operandi" do ilícito do que ao seu resultado patrimonial; deve-se reconhecer, porém, que esse alvitre poderia deixar impunes, ou sem sancionamento compatível, os praticantes de graves crimes financeiros, os cometedores de graves crimes tributários, nos quais, em regra, não ocorre o emprego de métodos violentos.
Como se vê, a "teoria da bagatela" conduz o aplicador da lei penal a um impasse ético, a uma dificuldade de superação problemática, porque o coloca diante de um dilema severo, onde conflitam os valores da segurança jurídica e da justiça, os princípios da necessidade da repressão e da sua racionalidade proporcional; mais uma vez se há de recorrer à sensibilidade do julgador, para encontrar, diante de arsenal tão variado de medidas repressivas, aquela que, não devendo ir além do necessário, não fique aquém do justo, tanto para não consolidar a impunidade, como para não estimular tais condutas e abalar a confiança que a sociedade tem no seu Judiciário.
Talvez a diferenciação sancionatória, mas não a abolição ou a inaplicação de sanção, pudesse ser a resposta proporcional e mais adequada nesses casos, porque também não há de se dizer que todas as condutas criminosas merecem a mesma reprimenda e todos os infratores penais merecem o mesmo castigo. É razoável que as infrações financeiras sejam reprimidas com sanções financeiras pesadas, do mesmo modo que as infrações tributárias, e os furtos de coisas de valor mínimo sejam reprimidos com sanções não corporais, porque o encarceramento de agente não perigoso não é uma sugestão que se acolha sem oposição e severas ressalvas.
A preocupação ou envolvimento do juiz com matérias de "ofensividade mínima" é há muito teorizada na Ciência Penal, tanto que aos jurisconsultos romanos já era recorrente a alegação "de minimis non curat Praetor", indicando que o juiz não se ocupa de "quinquilharias jurídicas"; entre nós, a Lei 9.099/95, ao instituir os Juizados Especiais Criminais, de certo modo atualiza a velha recomendação romanística, ao disciplinar o procedimento dos "ilícitos de menor potencial ofensivo". Pareceria intuitivo que o valor patrimonial de um ilícito não devesse servir para aliviar a sanção penal que lhe cabe ou mesmo para despenalizar a conduta do agente, como que se aceitando a ideia de que "nenhum crime é irrelevante"; essa observação, que pode até encontrar ressonância na "fúria punitiva" de muitos, não consoa com a evolução da Criminologia e o Direito Penal Mínimo, preconizando que só em último caso se aplicarão sanções corporais ou restritivas da liberdade. O colendo STF, em vários e respeitáveis julgamentos, que surpreendem pela adoção expansiva
da minimalização penal, afirma, por exemplo, que a lesão de até R$ 10.000.00 ao Erário se caracteriza como conduta atípica na imputação de descaminho (art. 334, CPB), como se vê nos HC´s 96.307, relator min. Joaquim Barbosa, e 99.284, relator min. Eros Grau, sob o fundamento do "insignificante fiscal", por situar-se abaixo do limite previsto para a promoção da execução fiscal (Leis 10.522/02 e 11.033/04), o mesmo ocorrendo quanto ao crime de furto (HC 96.688, relatora min. Ellen Gracie).
No egrégio STJ, verifica-se a adesão a essa orientação superior, embora alguns eminentes ministros da sua 5ª Turma façam ressalva de entendimento contrário; deve ser dito que a temática é desafiadora e que a "tentação minimalista" conflita abertamente com a necessidade de reprimir a criminalidade, mesmo quando se expressa em condutas de pouca monta, argumentando-se que estas, se não forem sancionadas, podem funcionar como prelúdios ou ritos iniciais de outros crimes graves ou incentivo à reiteração criminosa. De outro lado, há a respeitável ponderação de que o "rito inicial" se acha mesmo é na prisão por bagatela e no inevitável contágio do agente de infração mínima com personagens de infrações monstruosas, como latrocidas, pedófilos, sequestradores e traficantes de drogas.
É possível sugerir que a teoria da minimalização penal possa ser aplicada de modo menos complexo nos ilícitos cometidos sem violência e sem ameaça a pessoa, independentemente, em princípio, do valor da coisa furtada, subtraída ou sonegada, dando-se ênfase maior ao "modus operandi" do ilícito do que ao seu resultado patrimonial; deve-se reconhecer, porém, que esse alvitre poderia deixar impunes, ou sem sancionamento compatível, os praticantes de graves crimes financeiros, os cometedores de graves crimes tributários, nos quais, em regra, não ocorre o emprego de métodos violentos.
Como se vê, a "teoria da bagatela" conduz o aplicador da lei penal a um impasse ético, a uma dificuldade de superação problemática, porque o coloca diante de um dilema severo, onde conflitam os valores da segurança jurídica e da justiça, os princípios da necessidade da repressão e da sua racionalidade proporcional; mais uma vez se há de recorrer à sensibilidade do julgador, para encontrar, diante de arsenal tão variado de medidas repressivas, aquela que, não devendo ir além do necessário, não fique aquém do justo, tanto para não consolidar a impunidade, como para não estimular tais condutas e abalar a confiança que a sociedade tem no seu Judiciário.
Talvez a diferenciação sancionatória, mas não a abolição ou a inaplicação de sanção, pudesse ser a resposta proporcional e mais adequada nesses casos, porque também não há de se dizer que todas as condutas criminosas merecem a mesma reprimenda e todos os infratores penais merecem o mesmo castigo. É razoável que as infrações financeiras sejam reprimidas com sanções financeiras pesadas, do mesmo modo que as infrações tributárias, e os furtos de coisas de valor mínimo sejam reprimidos com sanções não corporais, porque o encarceramento de agente não perigoso não é uma sugestão que se acolha sem oposição e severas ressalvas.
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
Ministro do STJ e professor licenciado na Faculdade de Direito da UFC
Fonte: O Diário do Nordeste. 20/12/2009.
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